Parte Um - Dias Comuns

- Mel, é melhor você levantar ou vai perder a hora. - Eu já havia escutado isso mil vezes e não havia conseguido tirar forças o suficiente para me levantar e ir pro colégio, sabia que não teria problema algum me manter deitada porque assim, me privaria de diversas coisas, inclusive coisas ruins que eu era obrigada a ouvir e ver todas as manhãs. Certo que hoje seria meu primeiro dia em uma escola, mais fazia exatos dois meses que estava na cidade e ninguém olhava ou tentava olhar para mim. Esta bem que não sou bonita e minhas roupas não são nada agradáveis, e eu entendo perfeitamente o motivo até ontem a noite, ouvir a minha mãe discutir com o meu pai a decisão de vir para Preciosa. Uma cidade cujo o nome não existe no mapa e que meus irmãos tentaram me explicar o motivo, mas tirei sarro dizendo ser estupidez, até meu pai, Christian, gritar para as paredes em torno da gente e para Sara, minha mãe, cujo o corpo estava repousado no sofá após um dia cansativo, que essa cidade era amaldiçoada. No começo eu ri, subi para o banheiro, escovei meus dentes e fiquei pensando, pensando e pensando, até agora mais cedo. Se era ou não eu deveria levantar, conhecer as pessoas fora daquela casa, fazer amigos, encontrar um serviço e quem sabe após um ano todo estudando, eu pudesse fugir desse lugar cujo o nome, não tem nada a ver com o que a gente vê por aqui.

Abri meus olhos e notei o quarto vazio, apenas a porta sendo batida e pelos raios de luz da janela já levemente aberta, sabia que quem esteve ali fora a minha mãe e não era um sonho. Levantei correndo e meio cansada, tomei um banho rápido, peguei meu uniforme que por sinal, tinha vontade de rasgá-lo inteiro, que diabo de escola ainda obriga os alunos a usarem uniformes? Era uma maldita saia cheia de pregas preta e uma camisa branca com uma gravata pequena e listrada de vermelho e branco. Os sapatos a minha mãe havia conseguido para todos nós, o que foi uma sorte e tanto, só que eram fracos, e pelo que eu percebi em pouco tempo nessa cidade, não durariam tanto tempo. Preciosa nunca estava iluminada, sempre rodeada de nuvens, garoa e as noites eram frias e entediantes. Todas as manhãs haviam aquela enorme quantidade de névoa, que ensopava minhas roupas e deixava meus cabelos armados como se eu não tivesse acabado de arrumá-los com todo cuidado do mundo. Parte do adereço do uniforme, tinha um casaco preto com um emblema da escola, Collége Saint Preciosa. Já havia escutado os comentários da minha irmã mais velha sobre a escola e como tudo lá era estúpido e cheio de regras, mais engraçado era ela saber disso tudo sem nem ter saído do portão de casa. Não tínhamos vizinhos, a não ser que os animais, corujas e outros bichos noturnos possam ser considerados "vizinhos".

Passei os dedos pelo meus cabelos, estavam mais encaracolados do que o normal, o que sempre me foi motivo de gozação, havia puxado de Sara, mais o tom avermelhado era do meu pai. Sua pele era branca como um leite e sardenta, enquanto a minha mãe era pálida de cabelos loiros e compridos até o meio das costas. Se não disse, eu tenho mais dois irmãos. Sou a do meio, tenho meus exatos 16 anos, tem o Pedro, com 8 anos e a minha irmã mais velha, conhecida como Beatrice de 17, prestes a acabar o colegial, o que me faz ter uma inveja enorme dela, quem tem tanta sorte assim? Nos viemos de Louisiana, outra cidade pequena próxima dos Estados Unidos, onde meus pais se casaram e tiveram cada um de nós três. Minha mãe sempre disse que eu reclamo demais, e até entendo seu ponto de vista, mas não sei se você será capaz de me entender. Desci correndo as escadas com a mochila nas costas, meus cadernos balançavam e me deixavam desequilibrada em meio a tanta euforia e caixas ainda espalhadas pelos degraus. Minha irmã me esperava, ah, outro detalhe, ela já tem carta, mesmo que recente, só que meu pai e a minha mãe trabalhavam juntos, tem seu carro, enquanto Beatrice tem o seu, uma caminhonete velha de um vermelho desbotado, que faz um barulho estrondoso quando a minha irmã faz alguma coisa errada.

- Vou chegar atrasada por sua causa, pentelha. - Comecei a rir. Ela vai chegar atrasada e eu vou ir com fome, como sempre. Trancamos a porta e nos enfiamos no carro, o vidro enorme estava embaçado pela névoa que preenchia tudo em torno da nossa casa. Que na verdade uma cabana no meio de uma floresta enorme. Já havia visto em alguns dos meus passeios outras cabanas, maiores e sempre vazias, apenas nas noites da janela do meu quarto que eu poderia ver as luzes acesas, brilhando feito vagalumes no meio da escuridão e me instigando, normal seria uma família ter vizinhos e não viver tão longe uns dos outros.

- Você vai me pagar um lanche no intervalo, eu estou morrendo de fome. - Resmunguei, ajeitando a mochila sobre meu colo e olhando para a minha irmã, que revirava os olhos enquanto segurava firme o volante e tentava nos manter seguras na estrada. Ela estava vazia como sempre, mas eu ainda não tinha confiança o bastante para dividir um carro com a minha irmã, cujo a ideia, não era boa, mas também não tinha outra solução.

- Só porque você quer. Quem mandou não acordar quando a mamãe chamou. - Quem revirou os olhos desta vez foi eu, como ela poderia? Apoiei a minha testa no vidro gelado do carro, olhando a paisagem em torno de mim se transformar. Antes apenas mato e mais mato e agora, prédios pequenos, praças vazias e algumas mães levando seus filhos para a escola. Quando paramos no sinal, vi diversos garotos e garotas com o mesmo uniforme que o meu, poderiam ser meus colegas de classe, ou de escola em si. Mas estavam sérios, alguns até brincavam, mais logo prestavam atenção no caminho, que a minha irmã pegou também até estarmos no estacionamento da escola. Havia várias vagas já preenchidas, por sorte Beatrice conseguiu uma boa o suficiente e não tão longe, fácil para ser encontrada. Desci junto dela e aos poucos fomos nos enfiando em meio a um monte de alunos, que trombavam em nossos ombros, alguns eram meninos, com aparências pálidas e infelizes, enquanto as garotas eram bonitas, maquiadas, com cabelos bonitos e presos, o que me fez lembrar do meu e rapidamente tentar prendê-lo. Sabia que era parte da regra da escola mantê-los arrumados, só que a pressão havia sido tanta em casa que até tinha me esquecido disso, mas logo o fiz.

- A gente se vê depois, vou atrás do meu armário. - O que era mentira, mais Beatrice se despistou de mim e me deixou parada em meio a um punhado de gente apressada, com ruídos espantosos, que eu sabia que eram os sapatos de cada um deles em contato com o piso escorregadio. As pessoas me olhavam como se estivesse escrito bem na minha testa o quanto era boba, novata, uma idiota, e logo fui andando. Tentava lembrar dos recados que a minha mãe havia dado, um deles eu lembrava, ir direto para a diretoria, deveria me apresentar lá antes de qualquer coisa, mas se Beatrice não precisou, porque eu deveria? Dei de ombros para mim mesma e fui em busca do meu armário, tinha o número, sua combinação, sabia o que encontraria lá, alunos, material novo e um maldito bebedouro próximo de mim. Quando o encontrei, peguei o que me era suficiente, os livros, e um papel que havia sido deixado para boa parte dos alunos - sabia disso porque havia visto algumas garotas com eles em mãos e resmungando como se ele fosse um bilhete da própria morte - e que eu li. Também sabia que era diferente para todos, mais um motivo para reclamarem tanto. Deveria estar na sala A9, que pelo que me lembrava, ao invés de ser para cima ou para as laterais, era para baixo, e lá era um lugar escuro, frio e me lembrava o porão de casa, cheio de ratos, mas desta vez, os ratos eram pessoas, de duas pernas e uniformizadas. Desde quando completei meus 15 anos de idade passei a reparar melhor nas pessoas. Como boa parte delas são ignorantes e te fazem sentir nojo e ao mesmo tempo pena. Boa parte do tempo é nojo, a necessidade só cresce de ficar longe, e de não querer se tornar aquilo que aquelas "coisas" são.

Meus sapatos batiam no chão brilhante, eu podia ver meu reflexo dali de cima, quis sorrir para mim mesma mas tentei encontrar motivos e não consegui. Havia poucos alunos na parte debaixo da escola, mas um cheiro me fez reconhecer o lugar, a ultima porta dava a biblioteca da escola. Ela era pequena, mas pelo vidro embaçado pelo meu hálito, pude ver a quantidade de livros, com certeza antigos, mas ali seria meu refugio nos dias chatos da escola.

- Ei, você. - Ouvi alguém, mas não ouvi os passos, virei um pouco a cabeça mas não o corpo apenas para ver quem era. Era uma garota, de cabelo curto até o queixo, sobrancelhas marcantes, óculos de grau e olhos levemente puxados, com certeza ela era uma mistura e tanto, mas pelo seu sorriso era simpática, ou estava perdida como eu. Passei as mãos pelo meu uniforme, levemente amassado pelo tempo que passei sentada no banco da caminhonete de Beatrice.

- Oi. - Não sabia interagir, mal sabia conversar e quando acontecia me reprimia ou ria feito uma idiota, o que era mais um dos motivos para as pessoas se afastarem de mim. Apenas continuei olhando para a garota que ainda esperava qualquer palavra vinda de mim. Devagar ela foi se aproximando e balançou a folha nas mãos, era igual a minha, de fato ela deveria estar perdida, e tentando imaginar o que eu fazia olhando na ponta dos pés pelo vidro da biblioteca.

- Acho que a nossa sala é por aqui. - Ela se virou um pouco, apontando para duas portas a direita que estava com a porta entreaberta. Mal havia notado os números marcados na porta. Também que diferença faria? Ajeitei a mochila nas costas e fui caminhando até ela, que abriu a porta para mim e passou. Me impressionei em me deparar com uma sala quieta e com pouquíssimos alunos e os que tinham ali, olhavam para mim e para ela como se fôssemos monstros, eu não me importei, apenas fui indo para o fundo da sala e me sentei em uma das cadeiras encostada na parede e próxima da janela. A garota veio atrás, se acomodando na mesa de frente com a minha, deixando a mochila sobre a mesa toda rabiscada mas não perdendo tempo e se virando pra me olhar.

- Não me apresentei, me chamo Patricia Moony. E você? - Vendo seus olhos mais de perto eles eram enormes, negros como daqueles demônios que eu costumava ver no seriado Sobrenatural, eram engraçados, suas sobrancelhas eram bem delineadas e cobertas um pouco pela franja pesada. Seu sorriso era tímido mais era notável seus dentes corretinhos, com certeza pelo uso de anos seguidos de aparelho odontológico, coisa que sabia bem por ter usado por quatro anos e hoje em dia ver a diferença, principalmente por fotos.

- Me chamo Melanie, mas prefiro que me chamem de Mel. - Patricia concordou e sorriu mais ainda.

- Prazer te conhecer. Você não estudava aqui, não é? - Estava claro isso, eu ter me perdido, minha falta de comunicação e a falta de troca de olhares com os outros colegas. A maioria dos outros alunos dentro da sala mal conversavam, se mantinham acomodados em suas carteiras dura e de vez em quando, se viravam e olhavam para mim e para Patricia, que parecia despreocupada.

- Sou nova na cidade. - Isso esclareceria tudo, e ela apenas concordou ao perceber que não estava querendo entrar mais a fundo no assunto.

- Eu estudo aqui já faz quatro anos seguidos. Meus pais vieram pra cá pelo fato da cidade ser pequena, imagino que os seus também. Enfim, hoje não vai ter nada, e quando digo nada, é nada. Só explicações, esclareceram as dúvidas dos alunos novos como você e assim vai até as 14:30 da tarde. - Seria também a primeira vez que frequentaria uma escola com um horário tão ridículo, não que fosse ruim o fato de ficar no colégio até boa parte da tarde, já que me pouparia de ficar em casa ou ir para a loja dos meus pais, ficar fazendo absolutamente nada, mas ao menos eu sairia de casa. Quando eu ia responder Patrícia, uma mulher entrou pisando forte e encostando a porta, e em suas mãos haviam um punhado de livros, papeis e pendurada em um dos ombros trazia uma bolsa. Ela parecia cansada e suava, mesmo com o tempo frio lá de fora, eufórica, até eu ficaria se tivesse que dar aula para uma sala tão animada.

- Bom dia, alunos. Sou a nova professora de vocês, me chamo Mary e darei aula para vocês de Inglês Básico, e no ano seguinte vocês me terão como professora também, com inglês intermediário, e no último ano, a mesma coisa, com algo mais avançado. Espero que tenhamos uma boa convivência, afinal, vocês me aguentaram por três anos seguintes, e eu também. Por isso, vamos começar com as apresentações. - Ninguém se manifestou, apenas algumas garotas do fundo da sala, que pareciam despreocupadas e nenhum pouco afim de estarem ali, e que me olharam quando perceberam como eu as avaliava.  - E vamos começar por vocês mesmo do fundo da sala. - Disse Mary, apontando para as quatro garotas que riram feito bobas, uma delas que com certeza era a líder, sorriu enquanto mascava o que parecia ser um chiclete, fez uma bola enorme e por fim, se levantou, sua saia era mais curta do que a de todas as outras, além da meia que éramos obrigadas a vestir, que ela adaptou e ficou até o meio da canela, como a de todas as suas outras companheiras. Seus olhos pintados de preto, boca pintada, sobrancelhas bem feitas, brincos enormes e unhas pintadas de vermelho, coisa que poderia me causar inveja mais por hora era repulsa e vontade de rir.

- Mais todos aqui já me conhecem. - Todo o peso do seu corpo estava direcionado para um lado, gesticulava com as mãos a todo instante e revirava os olhos, o que me lembrava Beatrice, a minha irmã.

- Mais eu não. Vamos lá. - Mary cruzou os braços e esperou a loira começar a falar, suas "companheiras" riam como se tudo fosse uma piada, o que realmente era, mais ninguém mais ria, apenas elas, além dos olhos totalmente caídos sobre elas, uma ótima forma de chamar a atenção.

- Meu nome é Jennifer. - Por fim ela disse e se jogou em sua carteira. Jennifer, um nome que preferia esquecer, mesmo sabendo que eu, não seria esquecida pela olhada em que ela me deu ao se acomodar na mesa e mover as sobrancelhas, como se me enfrentasse. - E eu escolho ela para se apresentar. - Seu indicador veio na minha direção, e eu suspirei, aflita e com aquele frio repentino na boca do estômago ao perceber que era comigo. Engoli em seco e Patrícia sorriu, como se quisesse me dar forças para levantar da mesa e começar a me apresentar, eu era a única aluna nova do 1º Ano do Ensino Médio e pra piorar, já havia passado por isso duas vezes, não seria tão ruim assim. Me levantei da carteira, ajeitei a minha camisa e até a gravata que parecia mais justa do que nunca em torno do meu pescoço. A professora me olhava como todos os outros alunos, e eu sentia que estava prestes a desmaiar. O que não seria ruim, me privaria daquela situação, mas esperei um pouco e não aconteceu nada.

- Meu nome é Melanie Silver. - Foi a única coisa que saiu e que eu também achei necessário dizer, Patrícia riu baixinho e todos os outros continuaram a me olhar, até que me sentei e a professora Mary, se contentou com a situação, depois de me envergonhar daquele jeito, quem não se contentaria? Suspirei fundo após aquela crise de nervosismo, meu sangue estava voltando a circular normal e a minha garganta a ficar úmida de novo, o que era ótimo. Mary voltou para a sua mesa enquanto Jennifer e a sua turma de amigas, fofocavam no canto da sala. Sabe o mais engraçado? A minha irmã mais velha Beatrice já havia comentado comigo que tudo seria assim a partir do Ensino médio. Que não seria apenas as matérias complicadas, mas a convivência com outras pessoas, pioraria tudo, encontraria pessoas legais afim de te ajudar, e pessoas afim de ferrar sua vida por três anos seguidos, e eu sentia isso pelo jeito de Jennifer, que eu seria seu alvo durante três anos consecutivos, já que com apenas alguns minutos, ela quase estava me deixando louca.

                                                     * * *

- Mel, aqui senta com a gente. - Ouvi a voz de Patrícia e seus braços me arrastando para dentro do refeitório, em especial, para uma mesa no canto dele. Já havia algumas pessoas ali, aparentemente da mesma idade que eu e Paty, como ela preferia ser chamada. - Vou te apresentar para alguns colegas meus, que vão se tornar seus colegas também.

O que era impossível, não sei manter amizades. E você vai entender o porque. Patrícia me obrigou a deixar a mochila na mesa junto dos outros e ir na fila pegar meu lanche. O cheiro estava bom mais ela jurava de pé junto que a comida era um lixo, enquanto eu achava que tudo parecia delicioso, afinal, a minha mãe mal ficava em casa, cozinhava nos domingos, e era sempre a mesma coisa, algo diferente não me desanimaria. Entramos na fila sem problema algum, com nossas bandejas em mãos e olhando discretamente para o enorme cardápio, ou melhor, Patrícia discutia comigo o cardápio enquanto eu, preferia absorver toda aquela mistura de cheiro e barulho em torno de mim. Era algo intenso e ridículo. Vozes masculinas e femininas, som de bandejas sendo jogadas sujas, risadas exageradas e portas rangendo, além é claro da tia que distríbuia as comidas reclamando a todo o momento da bagunça.

Quando chegou a nossa vez, tentei ver bem o que escolheria, parecia até meu dia de sorte - foi o que a Patrícia me disse, ela jurava de pés juntos que nunca a comida era daquele jeito. E em especial era pelo fato de ser o primeiro dia de todos e queriam enganar os alunos. -

- Veja só, batata frita requentada, alface murcha com um tomate esquisito. Pão com uma salsicha estranha, molho de carne moída, seleta de legumes, três morangos, uma tortinha e uma caixa de suco de laranja. Garota, você é louca!! - Exclamou Patrícia, me fazendo rir e ir atrás dela de volta a mesa, onde me acomodei no canto da parede. Não era tão louca assim e nem boba afinal, haviam mais quatro de nós em torno da mesa, e a maioria escolheu quase as mesmas coisas que eu, só que estavam trocando entre si. Eu tinha costume de começar comendo os doces, parti meus morangos, comi minha seleta de legumes com cenoura, milho, vagem, batata e ervilha, que estava deliciosa mais sem sal algum. A carne moída estava boa pra comer com a tortinha de cor laranja, mais se não comesse com o pão e a salsicha, seria obrigada a abandonar ali mesmo.

- Essa torta esta mais pra pano de chão. Seca e suja! - Gritou um garoto da ponta da mesa, rindo de boca cheia e me olhou como se quisesse me impressionar ou me fazer rir, comentar sobre algo, vai saber o que se passava na cabeça dele, inclusive sendo um garoto.

- Eu sei que você adora essa torta Michael, para de ficar mentindo. - Patrícia apontou, e jogou um pedaço de papel enrolado nele, que mostrou apenas a língua e voltou a comer. - Falando nisso, não apresentei a nossa anfitriã da manhã. Gente essa aqui é a Mel. Mel, esses daqui são meus colegas a exatos três anos que eu me mudei pra cá. Esse idiota da ponta é o Michael. - Que ergueu a mão e sorriu daquela mesma maneira de antes, só que a sobrancelha mais franzida, parecendo-o de fato um idiota, mais um idiota bonito e simpático.

- Esta daqui são Sophie e Anita, são irmãs gêmeas, mais são bem diferentes uma das outras. - Elas acenaram ao mesmo tempo, o que me fez rir e acenar de volta.

- E este aqui é o Nick. - Sua cabeça surgiu já que estava bem ao lado de Patrícia mais na mesma fileira que eu. Ele não parecia tão simpático e nenhum pouco afim de se apresentar mas não me importei.

- É um prazer conhecer vocês. - E eles sorriram de volta. Eu sabia que estava vermelha feito um pimentão, minhas bochechas ardiam feito brasa, e meus olhos lacrimejavam de tanto nervosismo, o que era estranho, mas também engraçado pela falta dos meus óculos de grau, que por sinal, deixei em casa na pressa.

- Você é da onde, Mel? - Sophie disse. As duas irmãs tinham os cabelos pretos e compridos até no meio das costas, eram magras e pareciam modelos, e até poderiam andar na turma da Jennifer, que também não estava no refeitório, o que era até bom.

- Eu sou do interior dos Estados Unidos. Louisiana. - Todos pareceram impressionados, e ao mesmo tempo felizes, o que me fez não entender bem o motivo. A cidade lá era pequena também, mas era melhor que aqui e jamais abandonaria lá por Preciosa.

- Eu já fui lá, era um lugar legal. Passei um final de semana com meus tios em uma casa de temporada. Foi bom. - Disse Michael diretamente para mim, mas desta vez não estava sorrindo.

- Lá é realmente um lugar legal...nestes dois meses eu já estou sentindo falta de tudo.

- Tinha amigos por lá pra sentir falta? - Patrícia bem ao meu lado disse, me cutucando um pouco. Desviei meus olhos para a minha comida e roubei uma das minhas batatas, até sussurrar.

- Não. Nós viemos pra cá mesmo por conta dos meus pais. Eles buscavam coisas novas, antiguidades para a loja deles, e por outros motivos ainda não explicados para nós, os filhos. Gostaram daqui quando ficaram sabendo as histórias de Preciosa. - Sorri, enfiando outra batata na boca. Mas o silêncio foi evidente e Michael desviou os olhos por um instante, até encarar Patrícia, Sophie e Anita se levantarem da mesa com as bandejas vazias.

- Foi um prazer conhecer você, Mel. Te esperamos amanhã novamente aqui. - E se despediram, em seguida, Nick quem se levantou mas não falou nada. Deixando apenas Patrícia, eu e Michael, que se aproximou melhor e voltou a comer o que tinha em sua bandeja, e eu também achei preferível. Tinha pegado pouca comida, mas a minha fome havia passado a pouco tempo e nem tinha necessidade de me alimentar. Apenas tomei meu suco e comi o resto das minhas batata e a seleta de legumes.

- Foi legal conhecer você, Michael, e obrigada Paty. - E me levantei trazendo a bandeja, jogando-a em meio a tantas outras e com a mochila sobre os ombros fui direto pro banheiro. Onde lavei meu rosto, ajeitei meus cabelos num novo rabo cavalo . Eu poderia sair dali agora, mas pelo meu celular percebi o quanto estava cedo e vigiei pela porta, nenhum aluno desesperado, o que me fez abrir uma das cabines do banheiro e me sentar sobre a privada com a mochila sobre meus pés, não era o melhor lugar para quem queria se esconder, e o cheiro nem era agradável, mas me mantive firme e acomodada sobre a porcelana fria com a minha própria presença até ouvir o rangido da porta sendo aberta, mesmo com a porta da minha cabine entreaberta eu apenas a empurrei com meus pés e coloquei a mochila sobre minhas pernas. Vi diversas pernas, e pelas meias eu reconheci quem eram as quatro garotas com uma única líder, Jennifer. Sua voz era estranha, um tanto quanto forçada e infantil para uma garota um ano mais velho que eu - sim a minha voz é grossa, e já fui confundida com uma adulta por conta disso e pela minha altura -. Falavam sobre garotos, sobre a batata seca do refeitório, como os cabelos delas estavam armados por conta do tempo mas preferiam o tempo assim, em momento algum não escutei a voz de Jennifer, o que era um problema.

Foi ai que resolvi olhar para cima, e a única coisa que vi foi um rosto sobre o pilar que dividia todas as cabines, e não era bem Jennifer mais era uma delas e aquilo me fez gelar.
- Amiga!!! Você precisa ver isso. - Sua voz era estridente, junto da sua risada, além do impulso de uma das garotas para abrir a porta em que eu segurava e a maneira estúpida delas me segurarem pelo braço e me arrastarem para fora. Reconheci o rosto de cada uma delas. Sabia que não seria todos os dias que teria aula com elas e nem sempre seria obrigada a ficar perto, o que era bom, mais elas pareciam aterrorizantes e eu queria correr, mas me mantive firme até ser jogada contra a parede fria do banheiro. As quatro me cercavam, não tinha escapatória, e o pior, apanharia e ninguém saberia o que de fato acontecer, porque garotas como as da turma da Jennifer, inventavam a sua história, elas faziam história, e alguém como eu, era apenas uma perdedora. E a julgar pela minha situação, seria bem pior que isso.