Parte Dez - A Caça.

Poderia gritar. Sim, gritaria como todos faziam na quadra. Só que nada saia da minha garganta. Tentei engolir e passar a língua nos lábios mais parecia que qualquer movimento que eu fizesse seria o bastante para o monstro correr até mim. Michael ainda não havia percebido isso, e pelo meu leve movimento de cabeça, pude ver que ele havia conseguido falar com quem ele precisava. Eu estava sozinha. Deveria me virar pelo menos uma vez. Eu já havia feito isso uma vez, que mal teria eu fazer de novo? Me inclinei levemente e procurei no chão qualquer destroço, e a única coisa que tinha a minha frente era um pedaço grosso e pontudo do pé de uma das mesas. Com um dos pés o trouxe para perto de mim e fui andando devagar na direção do "colossal". Podia ouvir seus ruídos. Era quase como um ruído de dor, mais pelo seu sorriso fantasmagórico, ele não estava feliz. Estava com fome, e eu seria seu pequeno alimento caso não levasse a situação a sério. Vi algumas pessoas tentarem passar entre nós dois, e aquilo não era um empecilho muito grande. Na verdade só mostrava que o alvo daquele monstro era eu e mais ninguém. Pior seria matar algo tão grande, afinal, ele tinha as respostas que eu tanto precisava, e ele era mil vezes maior que eu.

- O que você quer? - Gritei. Minha voz era um pequeno assovio em meio a um monte de gritos e gemidos de dor. Além do cheiro terrível de morte e sangue que só se intensificava a cada passo que eu dava na direção do grande vampiro. Ele não respondeu. Mas também não perdeu tempo em correr na minha direção, tomar em impulso e saltar novamente sobre mim. Meu corpo em contato com o chão frio quis se encolher. Além do peso enorme daquele monstro totalmente sobre mim. Se não fosse o pedaço de pau ele teria me atacado, ele era a única forma de me separar entre sua boca enorme e cheia de dentes afiados, e de suas garras poderosas e sujas de sangue. Neste momento não havia maquiagem bonita e nem vestido perfeito, tudo se fora. A minha primeira noite, meu primeiro baile, foi embora. E não ficaria assim, porque também havia outros motivos. Michael gritou meu nome ao perceber aonde eu me encontrava. Eu não poderia responder a não ser continuar empurrando e sentindo vários respingos de saliva daquele grande monstro. Minhas pernas se arrastavam no chão na busca de escapar, e a única brecha que tive, me fez aproveitar de algo que jamais imaginei fazer. Segurar firme com uma das mãos e estocar sobre a pele escorregadia do vampiro. Que por sinal urrou, e na busca entre retirar a madeira de si e de me segurar, optou por si mesmo. Me dando a chance de correr para mais longe possível.

- Você é louca? - Michael gritou pra mim enquanto eu segurava sua mão e tentava arrastá-lo comigo para uma das portas. Eles haviam sido inteligentes o bastante para trancar cada uma das portas com cadeados e correntes grossas o bastante para ninguém conseguir forçar. Nem mesmo Michael conseguiu soltar nenhuma delas.

- Não sou louca. Meu Deus, a Beatrice. Cadê a minha irmã, Michael? - A ficha só havia caído que tinha pessoas ali que precisavam de mim quando olhei bem sobre a única faixa de luz a minha irmã caída no chão. Seu rosto estava pálido devido a luz da lua que sobressaia sobre sua pele. Além dos cabelos bagunçados e jogados no rosto. Ela estava morta. Ela também? Se não fosse Michael me segurando e me puxando contra seu corpo eu teria corrido até lá. Teria tentado salvá-la, ajudá-la ou qualquer coisa possível e que estivesse ao meu alcance.

- Você não pode voltar lá. A gente tem que ir embora. Ou melhor, achar uma saída. Meu pai vai resolver isso. Eu só preciso te proteger. Vem comigo!

- Mas Michael, é a minha irmã. - Quase me esguelei para que ele entendesse. Só que já era tarde. Vi o resto dos vidros da quadra se quebrarem e algumas pessoas adentrarem pelo vidro. Não dava para saber muito bem quem era. Estavam com trajes negros e bem adequados para o que vieram fazer. Seu rosto coberto e protegido por um tecido negro. Me lembravam ninjas, e ainda com suas espadas, armas brilhantes e até mesmo estacas para os menores vampiros, eu entendi qual eram seu papel. Aquele também deveria ser o meu. Um dos "ninjas" se aproximou com uma enorme tesoura, se é que se pode dar este o nome a algo que corte ferro, ou melhor, cadeados impenetráveis. Quando o ferro foi ao chão e a porta estava destrancada. Michael me arrastou com ele pelo corredor frio e vazio do colégio. Não sabia como seria a minha vida a partir daquele momento. Eu ainda estava assustada com isso, e ensanguentada pra variar. Além de alguns arranhões e etc. Mas não existia nada pior do que deixar parte da sua família para trás, inclusive alguém importante, embora as vezes parecesse desconhecido.

Michael me enfiou em um carro preto depois disso. Não era o que tínhamos vindo ao baile, só era maior, tinha cheiro de novo, e tinha mais alguém no banco de trás, que mais parecia um segurança, e não abriu a boca para dizer nada quando Michael pegou a direção e me enfiou no banco do passageiro. Parecia tudo combinado, e era assustador. Ele tomou a primeira via fora da cidade. Pensei comigo que estaria me levando pra casa mas não era isso. Quando ele passou reto pelo caminho que se acendia pra minha casa, percebi que estávamos indo para qualquer outro lugar, menos de volta pra minha vida. Não queria conversar queria apenas estapear Michael pela sua estupidez de pensar por mim. E na minha cabeça várias coisas passavam, cenas de conhecidos sendo mortos e sugados até o fim da sua vida. A da minha irmã debruçada no chão morta, e as palavras de Michael anunciando que iria me proteger. Como ele iria me proteger da minha própria vida?

Acho que dormi boa parte do caminho, já que acordei e me encontrei deitada sobre um cama macia e quentinha. Minhas roupas haviam sido trocadas e meu cabelo escovado, já que não havia mais nenhum nó ou cacho feito antes. Fui me levantar de mansinho mais algo me dizia que deveria permanecer ali, só que era inevitável. O quarto em que me encontrava era pequeno. Suas paredes de madeira me lembravam os filmes antigos. Tinha cheiro de mofo e pinicava o meu nariz, mas ainda assim era aconchegante e quente. Procurei a porta em meio a escuridão e sai pelo pequeno corredor que me dava direto para a cozinha. Michael não estava lá, nem mesmo o segurança. Eles poderiam ter me abandonado ali, o que era bom. Assim poderia fugir o mais rápido possível, embora soubesse que estava já bem longe de Preciosa. Encontrei a direção certa que dava para a sala. E Michael estava dormindo no sofá listrado e coberto por uma manta fina, mas esta era uma das menores preocupações. Em seu rosto havia uma pequena cicatriz. Parecia um corte fundo e o sangue havia cessado a pouco tempo. Fui me aproximando aos poucos até estar de frente a ele. Quis tocar a região mais pela pequena careta feita por Michael mesmo adormecido, mostrava que ainda doía.

- Deveria estar dormindo. Precisa descansar. - Sua voz estava sonolenta. Mais mole do que nunca e isso me fez estranhá-lo. Sua voz era sempre dura e direta. Seus olhos eram a única coisa encontrada igual a noite passada. Brilhantes e que me penetravam profundamente.

- Acho que perdi o sono. - Sussurrei. Michael foi se sentando aos poucos e passou os dedos pelo pouco de cabelo que tinha na cabeça recém raspada. Sua boca estava mais corada que nunca, assim como sua bochecha e abaixo dos olhos, tinha um vermelho bonito.

- Eu entendo. Acredito que terá longos pesadelos a partir de agora.

- Sei lidar com isso, Michael. Lembra que encontrei o braço da minha mãe? - Protestei. Fui me levantando do chão até me sentar ao lado dele. Ele pareceu não se importar muito, tanto que me deu espaço.

- Tinha me esquecido deste pequeno detalhe.

- Pois eu não. - Puxei o cobertor que estava sobre ele para mim. Juntei bem as pernas sobre o sofá e as abracei até me sentir quente o suficiente. - Que horas são afinal?

Michael procurou o celular num dos bolsos da calça e quando o encontrou, pareceu assustado.

- São 04:30 da manhã. As horas passam rápido. - Concordei. Numa hora destas papai já sabia do acontecido, e imaginava que a sua filha querida havia sido morta, exatamente como a mais velha. Só que não era bem assim. Eu estava viva, viva até demais.  - Acho melhor tentar voltar a dormir. Precisa descansar um pouco. Amanhã quero te ensinar algumas coisas, e inclusive, te dar algo. - Revirei os olhos com a forma com que ele tentava me dizer. Foi engraçado, mas odiava me sentir curiosa, e ele estava conseguindo isso.

- Não devia fazer isso comigo, sabia? Odeio dormir com o estômago doendo de tanta ansiedade.

- Como eu sei que você sofre de ansiedade, é por ai mesmo que eu provoco. - Ele sorriu depois de tanto tempo. E pegou um pedaço do cobertor e jogou sobre si. Era estranho ter ele assim do meu lado. Dividindo o mesmo sofá, o mesmo cobertor, o mesmo ar. O mesmo momento. Quis olhar para ele mais acabei encontrando-o já me observando. Seu sorriso ainda estava lá, intacto. Mais logo seria quebrado por um beijo que eu daria, embora o momento não fosse apropriado.

* * *

Acordei com o som de algo sendo cerrado bem debaixo da minha janela. Era incomodo e mesmo eu tentando cobrir a minha cabeça, parecia proposital, só ficava mais intenso. Quando resolvi sair da cama, cheguei a voltar e olhar o que tinha sobre uma das poltronas do quarto. Era algumas peças de roupa e inclusive um par de coturno e uma galocha preta e que aparentemente, encostaria no meu joelho. Suspirei em imaginar que era tudo pra mim. Apenas optei em perguntar antes de ir colocando-a. Fui direto para a cozinha onde encontrei uma mesa posta com ovos mexidos e ainda quentes, suco de laranja fresco, frutas diversas e um bolo inteiro de chocolate posto bem ao centro. A minha barriga chegou a roncar me imaginando degustar de algo que fazia um bom tempo que não experimentava. Me fez lembrar do quanto Sara gostava de fazer e ver todos em casa felizes por suas tentativas. Ela não gostava de cozinhar, mais era perfeita quando o assunto era bolo e doces.

Me acomodei numa das cadeiras e suspirei ao lembrar novamente da minha irmã. Torcia para que ela ainda estivesse viva. Mas em um momento daqueles, eu deveria pensar em qualquer outra coisa a não ser no que houve na noite passada. Meus dedos chegavam a formigar em me ver impossibilitada de matar algo tão grande. Me sentia um grão de areia próximo a um vampiro tão forte e gigantesco. Meu estômago se revirou ao lembrar do cheiro doce de sangue. Era algo familiar, era quase como um perfume, um aroma. Sara. Me levantei rápido, antes de derrubar uma das cadeiras e com os passos rápidos ir voltando para trás. Meu corpo se encostou em algo quente e que se movia. Me virei devagar e encontrei Michael, assustado e com um sorriso meio preguiçoso no canto da boca. Queria estapeá-lo, inclusive por me deixar ali.

- O que aconteceu? - Sua voz era mansa, assim como sua maneira de abaixar e pegar a cadeira me fez refletir se ele estava de fato pensando o quão perigoso era se manter daquele jeito, logo comigo. Tão nervosa, queria matá-lo.

- Eu me lembrei de algumas coisas. O cheiro.

- Que cheiro? - Olhei em volta de mim e suspirei. Era idiotice minha querer me explicar para Michael, ele jamais entenderia.

- O cheiro doce. De ferro.

- Quer dizer o sangue? - Dei de ombros e fui saindo da cozinha devagar. Precisava subir para o quarto, colocar algo nos pés e tentar ir embora. Não poderia ficar ali mais. Não com Michael levando na brincadeira tudo. - Quer voltar aqui e me explicar o que esta acontecendo?

Sem pressa ele me segurou por um dos braços e me fez virar. Ele realmente estava sem entender o que houve.

- Ontem estava tudo normal. Você aceitando tudo tranquilamente e de repente, você acorda toda nervosa e desconta em mim? - Suas sobrancelhas numa hora daquelas estavam juntas assim como os lábios retos. Ele estava nervoso, e eu entendia seu lado.

- Me desculpe. Eu só estou desesperada. Eu me lembrei do cheiro de sangue. Porque dele ser tão familiar. Era o cheiro que Sara tinha, e embora eu fosse pequena o bastante, eu posso reconhecer agora.

- Mas porque ela cheiraria a sangue, Melanie? - Revirei os olhos.

- Eu não sei. Estava levando em consideração da minha própria mãe ser uma vampira.

- Eu acredito que ela não seja. Caso contrário, estaria no seu sangue. Você seria uma. E eu poderia facilmente reconhecer.

- Não sei nem o porque de eu estar falando isso com você. É uma hipótese idiota. Preciso tomar um banho. - Fui direto para o quarto. Juntei as roupas selecionadas sobre a poltrona e as apertei contra meu corpo. O cheiro era gostoso, cheiro de roupa limpa e nova. Michael ficou o tempo todo parado na porta do quarto me observando ainda sério.

- Toma um banho, toma o café da manhã em seguida. A gente vai dar uma volta depois. - Concordei.

- Eu não vou ficar aqui pra sempre. Acha que fugir é a melhor opção, Michael? - Disse. Me aproximando de Michael que apenas mudou de postura e respirou bem fundo. Seus olhos se mantiveram fixos no meu até que eu estivesse a apenas alguns centímetros do seu corpo.

- Sei disso mais do que ninguém. A gente não vai permanecer aqui. Vou te levar pra outro lugar. Te trouxe aqui mais na intenção de te ver descansar e te ensinar algumas coisas que são necessárias para que você saiba sobreviver e ter uma vida normal, longe de Preciosa.

- Quer dizer que você esta tirando de mim tudo o que me resta? - Numa hora destas meus olhos já estavam cheios de lágrima. A imagem turva de Michael estava a um palmo de mim e a única coisa que eu consegui foi me abaixar e chorar. Era um choro guardado, cheio de ruídos e soluços. Deixei as roupas para longe de mim e Michael em minutos se abaixou e me segurou pelos ombros.

- Sei que não é fácil. E não vai ser. A vida não foi feita pra ser assim, Melanie. Uma hora ou outra isso tudo aconteceria e você teria que fazer a mesma decisão que eu estou tomando por você.

- Mas quem é você pra tomar as decisões pra minha vida? Um garoto de dezessete anos, fuma, bebe, dirige perigosamente uma moto, que mente e ainda por cima, leva pra longe uma garota sem que ela saiba como esta seu pai, irmão ou irmã? Se toca, Michael. As coisas não vão ser como você quer.

- Você não tem escolha a não ser ficar. Eu já te disse que vou fazer as coisas serem fáceis, que eu vou te ajudar com tudo o que for preciso. Mas você tem que confiar em mim. Depois deixo você voltar pra sua vida, comigo nela ou não. - Mesmo eu alterando a voz, Michael permaneceu como se meus gritos não fosse nada pra ele. Nem meu choro que havia sido cessado a poucos segundos. Limpei meus olhos e rosto e encarei duramente o rosto do garoto a minha frente. Ele retirou algumas mexas do meu rosto e limpou o restante de lágrimas da minha bochecha. - Me desculpe, Melanie.

Me ergui com pressa e peguei as roupas do chão, fui em busca do banheiro do qual bati a porta com tudo, e só sairia de lá quando tivesse caído a ficha e teria a decisão correta nas minhas mãos.

As roupas selecionadas para que eu vestisse naquele dia eram de fato quentes e confortáveis. O tempo lá fora estava nublado e boa parte da manhã eu vi chuviscar bem de leve, e logo cessar. Tomei meu café da manhã sozinha e estive na sala ainda quieta esperando apenas Michael aparecer e trazer com ele seu longo sermão do que era certo pra mim. Vendo por este lado eu percebia que ele tinha muito a esconder, e seria difícil descobrir o que ele deixava para trás. Seus olhos e a forma com que escondia as coisas ao invés de esclarecer tudo me deixava confusa e ao mesmo tempo, atraída em querer estar mais perto dele e saber o que de fato ele era e fazia.

A porta da sala se abriu e eu logo fui chamada por Michael. Ajeitei a jaqueta sobre a regata preta assim como toda as peças. Meu coturno fazia um barulho engraçado em contato com o chão de madeira, e só se intensificou quando finalmente pude ver o que me cercava. Nós não tínhamos varanda como toda casa normal. Não era uma casa comum, era uma cabana toda de madeira e cercada por muitas árvores. Era quase impossível de se perceber que vivia gente ali. E nem mesmo estrada para que algum automóvel pudesse passar existia. Era tudo tão misterioso que só me deixava mais curiosa. Michael me levou por uma pequena trilha que se erguia em direção a mata mais fechada. A pouca iluminação e a grande umidade fez com que eu sentisse ainda mais frio. Michael pareceu nem mesmo se importar com a temperatura, já que estava com uma roupa comum. Calça jeans, coturno e uma jaqueta escura e fechada. Seu rosto estava sombrio após a conversa que tivemos hoje mais cedo. Até entendia, ele não era acostumado com crises femininas. E pela quantidade de homens na sua família, poderia considerar normal.

- É aqui. - Ele parou e eu quase trombei com um dos troncos cortados sobre um punhado de folha secas. Olhei em minha volta e não via nada demais. A não ser árvores e mais árvores. Folhas secas e o ruído bem afastado dos pássaros que procuravam algum ponto para se aninharem.

- O que a gente vai fazer? - Cruzei os braços e observei Michael retirar de trás de uma das árvores uma mochila preta bem grande e aparentemente pesada. Abriu do zíper e se abaixou. Vi ele retirar algumas armas. De diversos tipos e tamanhos, mais em principal o que mais me chamou a atenção foi uma katana. Ela ainda estava na sua bainha até Michael perceber que a minha atenção estava mais voltada a ela. Pude ver o brilho da sua lâmina perfeitamente curvada e lustrosa. Parecia bem afiada e pesada, ainda mais para uma garota. Só havia visto uma de perto uma única vez e havia sido na loja do meu pai, ele nunca havia deixado nem mesmo Beatrice colocar seus dedos curiosos nela. Era sempre possível vê-lo limpá-la e cuidar dela como seu bem mais precioso.

- Bonita não é mesmo? - Pelo jeito Michael tinha jeito com diversas coisas. Sua postura havia mudado e se tornado mais dura, levemente inclinada e parecia me desafiar. - Vamos fazer o seguinte. Eu deixo você ficar com ela se me mostrar toda a raiva que você tem ai dentro. - Com um movimento de cabeça ele apontou na minha direção. Quis rir. O que ele queria dizer?

- Raiva? Que raiva? - Michael correu na minha direção, jogando a katana em um dos lados do corpo e vindo sem nada. Apenas com toda a força do corpo ele se jogou contra mim e me derrubou.

Ouvi todos os ossos possíveis do meu corpo se estalar e só ficava pior a cada minuto em que tinha todo aquele peso sobre mim. Era uma sensação esmagadora e sufocava intensamente. No fundo eu sabia que ficar ali de olhos fechados esperando Michael sair de cima de mim não adiantaria muito. Precisava tomar uma atitude e foi o que de fato fiz. Busquei toda a minha força lá do fundo para poder empurrar Michael para o lado e então eu ficar por cima. Ele parecia assustado quando me viu segurando seus braços contra o chão de folhas e inclusive, com o leve rosnar que saia dos meus lábios. Até eu me assustei ao perceber que não era de animal nenhum em torno da gente e sim de mim. Fui soltando-o devagar e tentando sair de cima do seu corpo, mas quem não permitiu isso foi ele.

- Você viu isso? - Ergui uma das sobrancelhas e o olhei ainda mais espantada. Michael apenas pegou o celular e mesmo que sem eu permitisse ou esperasse, ele me fotografou. Soube disso pelo som que produziu, e quando ele me mostrou a foto até eu me assustei. Meus olhos já não eram mais marrom claro, haviam sido substituídos por um tom vermelho forte e brilhava. Talvez fosse o flash da câmera, mas ele continuava a me encarar, até que ele tocou a lateral do meu rosto, bem abaixo dos olhos. - Você é uma caixinha de surpresa.

Deveria sorrir em ouvir isso, mas não o fiz apenas dei de ombros e fui me levantando.

Durante todo o resto da semana havia sido assim. Ele me ensinou a usar as arma branca, pistola, facões, a tão famosa katana e até mesmo uma besta que ele havia encontrado no porão daquela casa. Não me explicou em momento algum por qual motivo queria tanto me treinar. Apenas dizia o seguinte:

- Você é uma arma. E pode usar isso contra aqueles que te separaram da sua família.

Era uma frase um tanto egoísta afinal, via nos olhos de Michael cada vez que eu acertava um dos seus golpes e até mesmo o atingia em cheio com toda a minha força, de que ele estava me treinando para o seu bem. Não exatamente para mim mesmo ou para o meu futuro. É claro que poderia virar o jogo, usar para o meu dever e para muitos outros, e agradeceria no final disso tudo a Michael, por ter me mostrado como as coisas realmente funcionam.

* * *

Foram exatamente dois ou três meses sendo treinada por Michael, não era algo bom e nem mesmo ruim estar longe de toda a minha antiga vida. No fim havia aprendido muita coisa e me tornado uma mulher que eu deveria ter sido desde o começo. Michael só me mostrou as verdades que antes estavam todas incubadas, e agora, estavam mais visíveis aos meus olhos do que nunca.

Estava deitada naquele comece de noite. Foi um dia como qualquer outro.Treinei com Michael, almoçamos e descansarmos o resto do dia até que a noite fôssemos andar por ai sem destino e voltar para casa seria uma tarefa ainda maior. Quando digo "andar sem destino", acredite. Ela tem mais sentido do que você imagina. Michael estava me ensinando a encontrar vampiros. Sim, agora eles tinham um nome pra mim, e não apenas sugadores ou seres da noite. Pior ainda foi perceber que havia mais vampiros entre a gente do que eu mesmo imaginava. E que os livros nos enganavam, nem tudo descrito é exatamente igual, era tudo tão diferente e que só me fascinava a cada caçada.

Me levantei rápido e fui em busca das minhas roupas para a noite. Vesti meu jeans velho e agora rasgado e gasto, meu coturno, regata e casaco. Prendi meus cabelos de forma que meu rosto todo ficasse visível. Incrível como se encontrar te deixava mais bonita, até o tom avermelhado dos meus cabelos tinham se intensificado e ficado ainda mais bonito. Até Michael havia percebido isso. Seus elogios estavam se tornando ainda mais frequentes, menos seus beijos é claro, que por sinal, ele só fugia. Mas tentei não me importar, achava que era parte do seu papel e também não iria forçá-lo a uma situação constrangedora.

Fui direto para a sala onde Michael não estava, mas pela porta aberta sabia que ele estava lá fora ajeitando os últimos detalhes para a nossa última saída noturna em busca de respostas. Ele conseguiu colocar todas as armas de forma que fossem encontradas em cada espaço do carro. Inclusive a katana, que como ele mesmo costumava dizer, era a minha arma e eu não saberia usar nenhuma outra a não ser que usasse meu corpo. Ainda tinha cada um dos hematomas causados em nossas lutinhas na mata, e ele também, trazia uma mancha roxa bem na lateral do rosto ao tentar desviar de um soco meu, levando consigo mais dois chutes. Nós éramos o tipo de casal perigo. Talvez um Senhor e Senhora Smith?


Estávamos pegando a via que dava de volta para Preciosa. Michael tinha certeza que os últimos pontos em que ele mesmo fez questão de anotar, batia com o lugar em que deveríamos chegar. Não era perto de casa, como também não era longe dela, assim como eles tinham fácil acesso a cidade e as pessoas, o que era uma grande chance e vantagem para os próprios vampiros. A nossa intenção era ir, buscar a caixa, respostas e voltar sem se quer que uma gota caísse ao chão, se daria certo ou não, eu não fazia ideia, mais valeria a pena tentar e ver quem era o mandante da minha morte.  Não era exatamente uma casa que estávamos parados observando a distancia e sim uma antiga fabrica abandonada no meio de um monte de mato e uma única estrada que dava para a rua principal do centro da cidade de Preciosa. Sua base era de um ferro enferrujado e pelo pouco que percebi, haviam tentado reformar o lugar e cobrir qualquer resquício de iluminação que vinha de fora. Mais era uma armação tão ridículo que chegava a ser cômica, tanto que nem mesmo Michael sabia que seria tão fácil assim.
- Não acha que pode ser uma armadilha? - Sussurrei. Ajeitando uma das mechas crespas do meu cabelo por de trás da orelha. Michael encheu os bolsos da calça com as balas da sua arma e me olhou. Sua barba estava por fazer, inclusive na região do queijo e buço. Ele ficava mais homem daquele jeito, quebrava um pouco aquela imagem de moleque que ele sempre deixou quando o vi pela primeira vez. É claro que após as nossas últimas descobertas, ele havia se transformado comigo, me tratando séria e levando tudo a sério demais, a ponto de ser ridículo.
- Eu acredito que não. Qualquer coisa, você sabe o que fazer. Você vai embora, corre de volta ou procura algum lugar pra se proteger. Mas acho que não será necessário. - Revirei os olhos e fui abrindo a porta do carro. As luzes do carro estavam apagadas, e estava começando a escurecer, o que era um ponto fortíssimo. Ainda nos dava a visão do lugar certo aonde deveríamos pisar e o que nos cercava. Michael veio logo após mim e caminhando devagar do meu lado, fomos caminhando até a fabrica. A katana estava firme em minhas mãos, que por sinal estavam frias e tremiam de nervosismo do que eu podia encontrar.

Era engraçada a sensação do seu coração pulsar mais rápido do que todo o resto de veias e sangue no seu corpo. Era um músculo consideravelmente grande, e que nos trazia um problema e tanto, e naquele instante ele era um problema pra mim. Havia aprendido a me controlar, a pulsação era sentida por eles, e eu era uma completa idiota de sentir tanto nervosismo numa hora daquelas após caçar por dois meses seguidos. Procurei respirar fundo, encontrar o ar a minha volta, mas a cada passo só se intensificava.
- Fica tranquila, Mel. Vai dar tudo certo. Lembre-se, raiva. - Raiva havia sido a palavra que tinha mais escutado durante este tempo. Michael queria que eu sentisse toda a raiva guardada por mim e pela minha mãe que havia morrido por conta daqueles seres idiotas. Foi naquele momento em que todo meu corpo se aqueceu. Meus olhos se acenderam e meus passos ficaram mais rápidos. De frente com aquela enorme porta de ferro, um único chute foi o bastante para destrancá-la e ir invadindo o mais rápido possível. Michael foi logo em seguida pelas laterais e eu direto pela frente, retirando da Saya a minha katana e deixando a lâmina parada bem no meio do meu corpo. Ok que estar naquela posição me tirava toda a visão a minha volta. Era grande demais e escuro demais, e a única coisa que eu sentia era a presença de outros ali. O cheiro forte de sangue já não era problema pra mim, até que uma das luzes se acendeu, fraca mais ainda assim presente, e uma mulher de cabelos pretos vinha na minha direção. Sua pele era extremamente branca e iluminada, só se intensificava. Quando ela me encarou eu reconheci na mesma hora.
- Mãe? - Gritei. Deixando a katana que antes estava segura entre meus dedos, ir direto ao chão. Seu sorriso era o mesmo, mas tinha algo diferente nela. Era desesperador, e ao mesmo tempo, não era o mesmo sorriso que eu via todas as manhãs, tinha algo a mais. E eu não sabia decifrar, não mais.

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