Parte Cinco - Heart.

Michael me ligou em plena sexta-feira me chamando para dar uma volta com ele, e é claro. No mesmo lugar aonde ele me levou naquela semana passada. Na mesma sexta-feira em que o braço da minha mãe resolveu aparecer na porta de casa. Não tivemos aula por conta do tempo. A chuva só cessou na parte da tarde, e como todos moram longe do colégio, preferiram suspender o dia, o que foi bom. Beatrice estava reagindo melhor a toda a situação. Voltou a ser a garota metida de antes, ou estava fingindo bem, o que era aceitável, e que chegava a ser engraçado. Papai estava voltando a participar de tudo e querer saber de tudo. Imaginava ser uma desculpa de querer relembrar os velhos tempos, ou até mesmo, fazer valer a pena este tempo todo em que ele se desligou da gente. Prometeu que no fim de semana faria algo decente para nos comermos, e até nos ensinaria pescar em um rio próximo da casa. Mas com aquele tempo, imaginava que não teria forças e nem roupa o suficiente para ficar em beira de rio.

Estava esperando Michael na porta de casa quando Pedro veio correndo na minha direção com Bea, e abraçou as minhas pernas. Ouvi o ruído seco do motor da moto e soube de quem se tratava. O que não era um problema mas meu irmão não me soltava em momento algum. O que me fez sentir aquele aperto no peito, mas não que fosse algo ruim, era algo bom. Engoli em seco para não chorar e me abaixei, olhando-o nos olhos e ajeitando seus cabelos como sempre desgrenhados Um dos seus dentes havia caído durante a semana, deixando-o com uma janela enorme e engraçada, mas não tirou aquela essência que Pedro tinha. Angelical. Sua pele era branca como a minha e da minha irmã, seus cabelos mais claros que os nossos e seus olhos, era mel.

- Ei garotão. Vou dar uma saída. Que tal amanhã ir nos dois tirarmos algumas fotos de alguns esquilos? - Sabia que ele não tinha mais idade o suficiente para agir feito uma criança e muito menos tratá-lo como tal. Só que ele vinha estando tão sensível, que tinha medo de retirar o resto da casca da sua ferida e começar a sangrar. Pedro concordou com a cabeça por um momento e se virou para ver Michael chegando de moto. Ele estacionou e visualizou a cena por um tempo até me ver sorrir. Beatrice pegou o irmão no colo e o arrastou para dentro, enquanto eu me arrastava para a garupa da moto de Michael, que logo me entregou o capacete, e partiu em disparada rumo as ruas parisienses.

Trazia comigo a minha mochila, por via das dúvidas eu não perderia nada, nem mesmo um clique, tanto que comprei um rolo de filme novo e outro extra. Para não correr riscos. Vi as mesmas ruas que eu vi e descobri na sexta-feira passada. Senti os mesmos cheiros e absorvi as mesmas pessoas da qual fui apresentada e tive a chance de perceber como nem todas as pessoas eram ruins e nem todas, desejam seu mal.  Michael com toda paciência do mundo esperou eu fotografar tudo, captar tudo e encontrar ângulos dos quais, para outra pessoa, era bobeira. Mas era algo tão diferente e encantador que me senti sozinha, e nem liguei ao receber uma cutucada nas costas e ver que Michael estava me mostrando os lugares para mim fotografar. Pelo fato das fotos saírem na hora, percebi que já tinha um punhado dentro da bolsa e deveria parar, caso contrário, estragaria o meu encontro.

- Cansou, pequena? - Michael sussurrou em meio a uma longa espreguiçada. Suas costelas ficaram em destaque na blusa fina que ele vestia.

- Não. Por mim ficaria aqui. Não me canso fácil! - Protestei. Mas logo percebendo que se dependesse de mim realmente ficaria ali. Mas deveria pensar nele também. Já fazia algumas horas que estávamos ali, e tinha me distraído tanto que nem percebi que ele poderia querer ir pra casa. - Quer ir embora não é? - Abaixei a câmera enquanto via ele se aproximar. Seu cabelo havia crescido um pouco, tirando um pouco aquele velho estilo militar que o deixava tão bonito. Ele sorriu antes de pegar uma mexa de cabelo meu e enrolar entre os dedos.

- Não, não quero ir embora. Quero te mostrar um lugar antes da gente ir comer algo. - Ele me segurou por uma das mãos e me obrigou a correr. Cheguei a olhar para trás para tentar ver se havia deixado algo pra trás, mas nem tive tempo o suficiente. Seguimos em meio aos becos e casas Contemporânea até chegarmos ao que parecia ser uma floricultura, ou melhor, um parque aos arredores de Paraíso. Para alguém como eu, deveria me sentir confortável por isso já que vivia em meio a uma floresta, que poderia ser considerada um parque enorme e pouco visitado. Não vi muitos bancos, mas vi algumas pessoas andando e mexendo em boa parte das flores que tive tempo de ver. Encontrei roseiras, orquidários, árvores enormes de cerejeira, glicínia que era pouco comum de se ver por aqui, mas sua cor arroxeada me chamou a atenção, azaleia que também era belíssima, primavera, casos diversos de lavanda.

- Fecha seus olhos, pequena. - Querendo ou não fui obrigada a fechar meus olhos e ficar apenas sentindo os perfumes diversos em torno de mim. Devagar ele foi me guiando e eu só podia ouvir o som dos galhos se partindo a cada passo meu e o dele. O cheiro foi ficando mais fraco e o som dos pássaros mais intenso, até que ele me parou. - Pode abrir.

O que não ponderei. Via um enorme campo de dente de leão, e era realmente um campo em meio a um punhado de árvores de troncos finos e sensíveis. Não havia muita claridade a não ser os pouquíssimos raios de sol que invadiam o lugar. Me sentia tão pequena ali em meio a um lugar tão bonito e diferente. Tinha vontade de fazer como naqueles filmes em que a mocinha corria desesperada em meio ao campo, deitava ali mesmo e se desligava, sem se preocupar com o que viria a acontecer depois. O pouco de vento que batia em torno da gente, não espalhava ou estragava uma "pétala" que fosse dos dentes de leão, e eram tantos que se tornava incapaz dizer que um estragaria o outro. Olhei para Michael que sorria com os braços cruzados. Seus olhos tinham pequenas rugas nas laterais, assim como nas laterais do seu nariz, parecia ser uma cicatriz tão minúscula, mas combinava com ele, que seria estranho parar pra imaginá-lo sem.

- Dizem que quando anoitece, são tantos que eles brilham no escuro. - Quis rir. Ele estava fazendo piada da situação e eu apenas me aproximei. Dando um pequeno cutucão em seu braço.

- Seria interessante se fosse verdade. Obrigada mais uma vez por me trazer aqui. - Sem pensar duas vezes eu queria abraçá-lo, mas não o fiz por medo. Aprendi isso com a vida, nunca espantar as pessoas assim, mas ele parecia não se importar com isso, me contive ainda assim. Michael pegou a câmera das minhas mãos e ajeitou sobre os olhos prestes a fotografar.

- Vai lá. Quero tirar umas fotos suas. - Nunca ninguém havia dito isso para mim mas aceitei. Fui pisando delicadamente em meio a cada galho e raiz em destaque eu via. Quando me vi em um meio a um punhado de dentes de leão, passei a mão sobre a minha saia levemente rodada e florida e foi o momento em que ouvi o "Click" da máquina. E foi assim que ele foi fotografando cada movimento ou pose ocasional que eu fazia. Assim que havia cansado de toda aquela "atenção", corri até ele e tomei a câmera dele.

- Pode ser a minha vez? - E então ouvi outro "Click". E assim se tornou vários. Não queria ver o resultado agora, apenas em casa, na minha cama, sem ninguém pra me atrapalhar e também não daria este gostinho para o próprio Michael ver meu talento com polaroid.

- Depois você me mostra? - Neguei com a cabeça antes de ir pegando o mesmo caminho que tínhamos entrado no parque. Michael vinha logo atrás de mim todo curioso até se colocar ao meu lado todo ofegante. Seu nariz estava levemente avermelhado assim como seus lábios, que estavam numa linha reta e ainda assim delicada. Tinha certeza que ele havia percebido a forma com que eu o olhava já que parou no meio do caminho e me segurou por um dos braços enquanto guardava a máquina na mochila.

- Vamos ver. Não costumo mostrar as minhas fotografias pra ninguém. - O que era verdade, mas ele com certeza acharia que estava mentindo. Ressentido foi se aproximando até estar tão colado em mim a ponto de sentir cada parte do seu corpo até mesmo os que eu não me permitiria sentir num momento daqueles. Seu perfume se tornou mais forte, mais masculino a ponto do meu nariz coçar. Pude ver como sua sobrancelha era bem desenhada, como seu nariz era bonito e tinha uma curva engraçada, levemente afeminada, mas só combinaria com ele. Seus dentes eram levemente tortos e eu só pude perceber olhando-o tão perto, tão íntimo, que estranharia se estivesse vendo uma cena como aquela. Uma de suas mãos se ergueu e tocou a lateral do meu rosto, desenhando com delicadeza a maçã do meu rosto, parou apenas quando me segurou pelo queixo e seu dedão roçou no meu lábio inferior. Queria mordê-lo, queria abraçá-lo e ao mesmo tempo ter forças o bastante para pará-lo.

- Eu sei que você vai me mostrar. - E então ele veio, pude sentir como sua boca era quente e seu hálito levemente adocicado, me lembrava leite com café e isso me deu uma vontade tão intensa de experimentar. Seria meu primeiro beijo, o primeiro com uma pessoa desconhecida e que me permitiria a sentir, a gostar, embora meu coração erguesse placas, desse sinal de fogo e faltasse subir pela minha garganta pra me parar eu me deixei levar. Seria uma boa desculpa se ele já não estivesse me beijando. Busquei envolver meus braços em seu pescoço e roçar os cotocos de dedos que eu tinha, que sempre estavam sujos de tinta ou de caneta em sua nuca, seu cabelo arrepiava a pele nua dos meus braços e da minha mão, era eriçado, grosso, e eu não queria largá-lo. Seu corpo foi me impulsionando para trás até me ver encostada ao que parecia ser uma árvore. Em momento algum Michael pareceu dar um fim aquele beijo, o que eu no fundo também não queria, primeiro porque não saberia o que fazer após receber um beijo daqueles, segundo porque era bom demais para ter um fim.

Eu poderia olhá-lo nos olhos e dizer o quanto ele estava sendo bom comigo, mas que deveríamos parar por aqui e ser apenas amigos. Segunda-feira no colégio eu não o olharia nos olhos, passaria a ignorá-lo e agir como um garoto faria com uma garota. Seria apenas pequenos beijos e mais nada, porque garotos tinham o costume de fazer assim. Tomar o coração em suas mãos e depois jogá-los de lado como se não fossem nada. Ou poderia olhá-lo nos olhos e sorrir apenas, e esperar que ele falasse qualquer coisa que não me fizesse corar mais do que eu corava no normal. Seus lábios devagar se separaram dos meus e eu mantive meus olhos bem fechados, apertados por um longo estante até ter meu corpo abraçado. Seu aconchego era bom pra mim, e mesmo eu não precisando disso agora, eu aceitei. Me mantive colada em seu corpo quieta até que ele beijou a linha do meu pescoço e se afastou.

- Você esta bem, pequena?

- Acho que deveria parar de me chamar assim, não sou tão pequena. - Sussurrei. Erguendo a cabeça e olhando-o finalmente. Michael parecia o mesmo, despreocupado e sorridente de sempre. Com as mãos nos bolsos e me esperando com certeza recompor para irmos embora. Passei a mão sobre a minha blusa branca e sobre a saia da qual vestia, estava até de meia calça naquele dia não só pelo frio, mas pela própria moto em que Michael sempre me obrigava a subir.

- É pequena sim. A minha pequena. Vem, vou te comprar um sorvete de iogurte de amora.

- Idiota.

* * *

Estava em casa e morrendo de frio, tanto um banho quente foi a minha única salvação, e livramento de pensamentos idiotas que cercavam a minha cabeça. Era estranho se ver sem ninguém pra conversar ou contar uma novidade. Sem ninguém pra você chegar desesperada e dizer que te aconteceu algo tão bom e tão...complicado, que você precisava falar pra ela. Tinha Patrícia, mas ainda não tínhamos intimidade o bastante para eu chegar nela e dizer que havia ficado com o seu "Amigo". Não saberia a sua reação e estranharia se fosse eu no seu lugar, do nada a novata anunciar que ficou com alguém em tão pouco tempo. Não iria poder chegar em Beatrice, na minha própria irmã e dizer que estive boa parte do meu dia na companhia de Michael e que no fim, nos beijamos como se não houvesse amanhã, o que infelizmente teria, e eu continuaria com esse mesmo pensamento.

E pra variar, havia sido convidada para um churrasco na sua casa no domingo, onde com certeza boa parte dos seus amigos estariam e a própria Patrícia estaria lá, encarando e estranhando o motivo da novata estar numa festa que ela estaria acostumada a sempre ir sem empecilhos. Coloquei meu moletom mais velho e me deitei em meio a luz que vinha da janela. Estava até de óculos para poder ver aquele punhado de fotografias que eu tinha comigo. Eram tantas, mais tantas que me sentia orgulhosa e ao mesmo tempo confusa aonde colocaria tanta foto. As fotos que Michael havia tirado de mim estavam lindas, e ficariam mais lindas ainda se tivessem sido editadas no computador e recebido um tom mais delicado para um lugar tão fantástico.  Cheguei nas fotos em que mais aguardava, as que Michael aparecia, sorria feito um bobo, suas presas eram o destaque e os olhos estavam apertados de tanta força que ele havia feito para sorrir pra mim enquanto clicava cada pose sua. Havia apenas uma em especial que iria guardá-la comigo e levaria aonde fosse. Uma em que aparecia nós dois, abraçados e bem ao fundo, um punhado de dentes de leão levemente desfocada. Ele estava sério, e me olhava enquanto eu me mantinha fixa olhando para a câmera, procurando uma forma de nós dois sairmos na foto sem ninguém ser cortado. Seu nariz estava encostado na minha bochecha e um dos seus dedos estavam enroscados em meio aos meus cachos. Guardaria aquela foto no meu armário, e aquele dia também no fundo do meu coração.

O famoso domingo havia chegado e eu tremia feito vara verde desde o momento em que coloquei os pés para fora da cama. Papai fez questão de fazer algo para mim levar no almoço da família "Rose", o seu prato tão conhecido em casa e comum em qualquer outra coisa se não fosse o meu pai quem não tivesse feito. Vendo assim ele parecia melhor após essa semana turbulenta, e cumpria a sua promessa, de voltar a cozinhar e agir como o pai que Beatrice, Pedro e eu merecíamos e precisávamos com a gente. Revirei meu guarda-roupa inteiro em busca de uma roupa que coubesse bem ao momento e que ninguém me olharia e me rotularia no mesmo instante. Beatrice fez questão de me emprestar seu batom cor de melancia, dizendo que combinaria com o tom da minha pele, passou um blush bem suave na minha bochecha e até me deixou usar seu rímel, o que antes era loiro e quase invisível, agora negro e curvado, meus olhos pareciam mais brilhantes, e tinha um motivo em especial.

Coloquei no final das contas o meu vestido florido e cinturado, alças comuns, pescoço e colo do peito levemente à mostra e visível, além é claro do meu tão famoso colar em forma de asa que havia ganhado no meu aniversário de 15 anos.  Nunca o tirava, por isso estava sempre escondido, porque sempre era motivo das pessoas perguntarem o motivo, e agora com todo o acontecido, me lembraria ainda mais mamãe. Ajeitava o coturno de cano médio nos pés quando a campainha tocou e sabia que era Michael, o que me fez ficar eufórica, e correr o mais rápido possível para abrir a porta. Geralmente a mãe abriria a porta, se mostraria surpresa em ver que a filha teria um "encontro", diria como os dois estavam bonitos e combinavam, mas desta vez seria eu mesma em que faria essa cena. Michael estava com uma calça jeans escura e larga para seu tipo físico, juntamente com uma camisa cor de rosa e de gola preta. Um dos seus braços estava para trás e a cabeça se inclinou um pouco quando ele me viu. Os olhos desceram e subiram até parar no meu rosto e ele respirar fundo.

- Oi. Entra um pouquinho! Vou ir buscar meu cardigan e já vamos. - E só voltei minutos depois com um refratário do papai, e uma blusa pendurada em um dos braços. Me despedi de Beatrice e Pedro que estavam voltando da cidade, e até de papai que estava cortando um punhado de grama que nascia nas laterais da casa. Pela primeira vez Michael não vinha me buscar de moto, estava com um Opala preto totalmente reformado e "tunado" como diriam os garotos. Assim que ele abriu a porta para que eu pudesse me sentar e eu senti o couro macio do banco me senti nas nuvens. Tinha uma diferença bem grande subir na garupa de uma moto e se acomodar num banco de um carro com cheiro de novo.

- Gostou do meu bebê? - Me assustei ao ver Michael já ao meu lado e ligando o carro. Ele tinha um ronco suave mais ainda assim era perfeito demais. Sempre tive paixão por carros antigos, em especial o Opala, seu estilo, ainda mais por me lembrar Supernatural, um seriado do qual eu descobri a minha paixão por ele.

- Eu amei. Ele é muito bonito e esta bem conservado. - Sussurrei conforme ele pegava caminho para a sua casa.

- Não estava conservado assim. Era do meu pai, e gastei uma grana boa pra reformar ele e deixar assim. - Michael me olhou e sorriu tão malicioso que me fez arrepiar até os pelos da nuca.

- Eu imagino que sim. - Estava apostando as fichas certas em que ele de fato era bem mais velho do que eu imaginava. - Se não for problema pra você. Quantos anos afinal você tem?

- Finalmente perguntou. Eu tenho dezoito anos! - Disse ele sem problema algum. O que me espantou foi ele ser mais velho e ainda assim estar tão pra trás no colégio, mas não demorou para mim entender o motivo. - Viajei muito com meus pais. A minha mãe se separou do meu velho e voltou depois de um tempo, e acabei ficando com ela. Dizem que filhos homens são mais apegados ao pai, só que sempre fui mais apegado a ela, a Mônica. Mais hoje eles estão juntos e felizes, ou melhor toda a família.

- Isso é bom. Pelo menos estão juntos. Você não é filho único pelo visto.

- Sou o quarto filho da família. O mais novo. - Mais uma surpresa para mim e não pude esconder. - Tenho dois irmãos gêmeos. O Vita e o Peter, tem 29 anos, tenho mais um irmão chamado Tae de 23 e vem eu, Michael de 18 anos. Diz a minha mãe que na época não se tinha coisa melhor pra fazer do que um filho. - Ele mesmo riu da piada, e eu então tentei conter a risada, mas ainda assim saiu. Entramos no que parecia ser um condomínio no meio da cidade, onde logo ele estacionou em frente a uma casa ao velho estilo americano. Sua casa me lembrava as casas vitoriano, janelas brancas e portas também, enquanto a sua cor era de azul bebê delicado e parecia ter sido pintado a pouco tempo. E de fato a casa era enorme. Toda cuidada e cercada por madeira, não sabia se era um bom meio de proteção, mais deixou a casa mais delicada. Michael abriu a porta para que eu pudesse descer e tomou das minhas mãos o refratário ainda quente. Passei por meio a grama até subir os degraus pra sacada e então, estar em meio a sala da família "Rose". Toda a casa tinha um toque feminino, mais lotado de fotografia da família que era grande demais para a minha que estava acostumada com tão pouco movimento ou visita de parentes em casa. Bati a porta e segui Michael pelos corredores até chegarmos ao quintal. Pra minha surpresa estava de fato cheia. Ele cumprimentou algumas pessoas enquanto em mantive parada apenas observando tudo. O quintal era enorme, além uma piscina bem no meio, mesmo que sem ninguém nadando, vi algumas crianças com seus pés nas beiradas e o cheiro de cloro era gostoso.

- Vem, quero te apresentar a minha mãe e ao meu pai. - Michael foi me arrastando até uma das mesas que cercava a piscina. Tinha um casal que conversava animadamente sobre algo, quando nos aproximamos a mulher da qual sabia apenas o nome se levantou e me abraçou. Sua pele era bem mais escura que a de Michael, seus cabelos negros e pareciam ter sido tingidos, me lembrava uma índia, enquanto o pai de Michael era negro, barbudo e sorridente.

- Mãe e pai. Esta é a Melanie, ou Mel. - Fui abraçada por ambos, e tentei passar uma imagem de garota confiante. Sorrindo sempre e acenando para todos que me olhavam e tentavam entender quem eu era.

- Quando Michael disse que você viria e disse que você era bonita, fiz as contas. É difícil ouvir o meu filho dizer isso. - Mônica era carismática, falava alto e sempre que podia ela me abraçava e contava piadas. Enquanto Marcus, pai de Michael estava sempre tirando sarro de algo ou alguém, ele me lembrava muito o filho, e ria de tudo, até ver o resto dos seus filhos chegarem. Seria estranho me ver com quatro filhos homens e nenhuma menina pra mim mimar e ser mimada, sempre ouvia dizer que garotas são mais próximas das mães e as amam ainda mais, e as mães nunca devem se sentir sozinhas por isso.

- Vou considerar como um elogio, senhorita Mônica.-  Michael andava de um lado para o outro na busca de dar assistência. Correu e abraçou um dos irmãos do qual gritou por "Tae", e me apresentou cada um deles também, que estavam com suas respectivas mulheres ou namoradas. Todos eram bem diferentes um do outro, e não sorriam com tanta frequência, eram sérios e se mantinham na deles, embora suas tias, tios, avôs e primos estivessem sempre tirando sarro de algo ou comentando sobre suas vidas e seus dias, eles apenas respondiam o necessário e bastava. Dos irmãos que havia mais me identificado foi um dos gêmeos, que se sentou ao meu lado e comentava sobre as burradas que o irmão mais novo fazia. Como Michael era teimoso e não dava o braço a torcer quando necessário, como sempre estava tropeçando ou contando alguma piada estúpida no momento errado. Sabia que era bem diferente de Michael e mesmo que não tivéssemos nada confirmado, me via como sua namorada, e já fazia previsões de como seria estranho ver as pessoas apontarem pra gente e mostrar as nossas diferenças. Seja de idade, gosto ou jeito.

Não que me importasse, mas achava que as diferenças poderia ser considerado algo bom, fundamental, que graça seria se gostássemos das mesmas coisas e fôssemos iguais em tudo?

- Pode me dizer aonde fica o banheiro? - Cutuquei Michael assim que ele passou correndo por mim.

- É só subir as escadas e seguir o corredor até o final. - E sumiu. Sempre me perdia quando seguia o GPS das pessoas e ainda assim tentei. Entrei de volta pra casa e subi as escadas assim que encontrei. Me espantei com a quantidade de quadros que tinha espalhados pela casa, e que boa parte tinha sido pintado por Mônica. A casa toda estava vazia, e as portas estavam fechadas, o que piorava a minha descoberta pelo banheiro. Abri algumas e me deparei com quartos vazios e um deles apenas todo bagunçado, sabia que era de Michael pelo perfume e pelas janelas abertas. Tinha tanto roupa jogada e esparramada pelo chão como caixas de bolacha, cereal e outras coisas das quais não identifiquei.

Abri a porta ao lado e me deparei com o que parecia ser um escritório, o que sabia, era de Marcus. Não havia foto ou qualquer outro detalhe ali dentro, mas sabia que somente os homens tinham escritório e salinhas em especial para eles pararem e refletir e dizer "Epa, tem algo errado". Fui entrando devagar no cômodo pouco iluminado, tinha uma mesa enorme e repleta de papéis mais tudo bem organizado, além de ferramentas num canto da sala, e um único porta retrato sobre a ponta da mesa, onde toda a família estava unida, os quatro filhos e o casal unido abraçado e sorrindo. Como se a separação não tivesse lhes causado qualquer dano, apenas unido eles ainda mais. Suspirei por um momento ao lembrar que em casa tínhamos uma foto em família também. Onde meu irmão ainda era um bebê, Beatrice tinha a minha idade, e eu, uma anã de jardim. Meus pais mesmo com três filhos souberam dosar a atenção a todos, não fazendo com que filho algum sentisse ciúme um do outro ou precisasse atormentar os outros por querer o amor dos pais. Imaginava como era as coisas na casa de Michael.

Os filhos já eram grandes e vividos, tinham suas vidas por isso a quantidade de quartos vazios, e Michael era o filho mais novo da casa, e visivelmente era o "bibelô" da família. Todos o amavam, o considerava engraçado, extrovertido e com certeza era o orgulho do pai, que o olhava com uma paixão incondicional. Mas em meio a tudo isso eu conseguia perceber as rachaduras em torno da família. Mesmo que tentassem cobri-las, era inevitável não perceber. Os pequenos fragmentos de pó se despregando, e eles continuavam disfarçando, que não era nada, varrendo como sempre. Balancei a cabeça como se aquele pensamento fosse despencar pro lado e eu fosse me esquecer dele. Era uma boa pauta para quando me deitasse, não pra agora. Toquei o interruptor e as luzes do escritório se acenderam, e tive a oportunidade de ver como ele era maior do que meus olhos podiam ver e até me assustei. Me lembrava uma sala de aula, luzes nos tetos brilhavam e davam um ar misterioso, além das paredes pintadas em tons vermelho vivo e chapiscadas, encontrei diversas armas penduradas e emolduradas com orgulho, com datas assinadas em dourado. Tudo caprichado e organizado, além de não existir um fiapo de poeira em nenhuma das armas. Quis tocar em uma delas mas não o fiz apenas contive em olhar. Marcus não tinha jeito de caçar, mas tinha uma espingarda de canos sobrepostos e uma Besta pendurada que me chamou a atenção e me perdi no tempo, vendo as flechas fixas e alinhadas com tamanha perfeição que acreditava que um sopro meu fosse capaz de dispará-la. Fui me afastando aos poucos até trombar com uma mesinha de canto, onde vários potes de conserva estavam espalhados sobre a madeira antiga e tingida. Boa parte dos líquidos dentro dos potes estavam esverdeados, num tom estranho e que dava nojo, mas nunca me importei e nunca tive nojo de quase nada, só nos momentos inapropriados. Em um deles tinha o que parecia ser um animal, ou parte dele num líquido esverdeado. Deveria estar lá a anos.

Além de várias borboletas penduradas e coladas em Poliestireno mais conhecido como isopor, só que algo me fez aproximar e até forçar ainda mais a vista. Uma caixa de madeira com a tampa de vidro, onde continha o que parecia ser presas, mas a data entalhada na caixa não consentia com o século em que vivíamos, XVIII. Nunca havia levado a sério demais os contos voltados para os velhos vampiros, nem mesmo capacidade para ler e assistir ao filme Crepúsculo eu tive. Mas parei para imaginar diversas vezes como seria se todos pudessem ser algo, eu adoraria ser uma mistura de bruxa e vampira, e muita coisa faria mais sentido para mim.
- Aqui não é o banheiro. - A voz de Michael me deu um susto que jamais esqueceria. Meu coração estava prestes a saltar pela boca quando olhei para trás e vi ele de braços cruzados para mim, mas ao invés de estar sério e demonstrar querer chamar a minha atenção ele apenas sorria de canto. Se aproximando de mim e me encurralando numa das paredes do escritório.
- Me desculpa. Fui abrindo porta por porta e acabei me interessando pelo escritório...sabe como é, coisas velhas, armas, garotas amam isso. - Ironizei. E ele percebeu. Michael segurou as minhas mãos e encostou elas em seu peito, me dando a chance de ouvir seu coração palpitar mais rápido. Seus olhos estavam tão fixos em mim que me sentia tão constrangida, que fui capaz de desviar por um momento mais logo encará-lo como se nada tivesse acontecido.
- Meu pai caçou por um tempo. Mais parou após eu nascer. Porque a minha mãe não achava certo, e porque também quase foi preso. A caça em Paraíso é proibida. - Sussurrou, aproximando e roçando seu nariz na minha bochecha. A pele dele era quente, e pulsava em contato com a minha. Fechei meus olhos e tentei me concentrar.
- Eu imagino que sim. Caçar veados, coelhos e qualquer outro animal que seja, é complicado. - Não foram bem as palavras que eu queria dizer, mas eu disse. E ele apenas riu baixinho próximo ao meu ouvido.
- Ele sentia prazer em ver o animal em euforia, o som do tiro o instigava, a morte o excitava.
- Isso daria um belíssimo trecho de livro. - Fui me afastando de Michael até estar ao lado do seu corpo e respirando fundo. - Pode me mostrar a porta certa?

* * *
Os pais de Michael agradeceram a minha ida a sua casa, em principal adoraram o macarrão com queijo bacon do meu pai, e anunciaram que se apaixonaram pelo seu tempero natural. Coisa que fazia as pessoas estranharem, boa parte dos temperos, nós tínhamos no quintal de casa. Eu gostava de me considerar natural. Estava pensando até também em me tornar vegetariana, e após aquele assunto mais cedo sobre caçar, excitar e instigar, estava tendo mais certeza ainda que era melhor viver de legumes e peixe. Não era tanto sofrimento e era bem mais delicioso.

Estava no carro com Michael em frente a varanda de casa. As luzes ainda estavam acesas e sabia que papai estaria preocupado pelo meu horário de volta, já que era um simples almoço e não o dia todo. O celular eu havia deixado em casa e nem mesmo a preocupação de pedir o telefone emprestado para avisá-lo eu tive. Mas era a primeira coisa de errado que eu havia feito, sabia que ele entenderia embora fosse puxar a minha orelha. Ele tinha Beatrice que também teve a minha idade e sabe perfeitamente como é ser pai de duas garotas, e logo seria Pedro, causando ainda mais por ser homem.
- Agradeço pelo convite pro seu almoço. Sua família é encantadora. - Falei. Vendo Michael dar de ombros por um momento como se eu soubesse, o que me fez rir.
- É difícil os meus pais se juntarem para alguma comemoração. Boa parte das vezes quando unimos todos os tios e tias, primos e avôs, acaba surgindo problema. Gente jogando na cara um do outro algum acontecido do passado, até entendo, eles tem seus motivos. Acho que não brigaram porque eu te convidei.
- Não sabia que era capaz de conter os ânimos das pessoas.
- Você é capaz de muita coisa, só não descobriu isso ainda. - Engoli em seco. Michael vinha me pegando desprevenida com suas frases intensas e isso não me assustava, só me assustava o fato de amar cada uma delas, e sempre imaginar que tem alguma intenção por debaixo delas.
- Boa noite, Michael. - E fui abrindo a porta do carro para poder descer. Mas fui puxada de volta para dentro e enlaçada em uma chama de beijos e carinhos que ele me deu sem medo ou pressa. A porta foi fechada e tudo escureceu em torno da gente. De repente era só nos dois e mais nada. Além do motivo é claro de eu aceitar que meu coração batesse mais forte por alguém. Eu era nova demais para ter estes pensamentos, mas li livros o bastante para saber que após uma batalha de paixão, o coração sempre sai ferido, e as vezes, quando não se volta inteiro, acaba morrendo de paixão e amor.

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