Parte Onze - Sem casa, sem volta.

Eu poderia me desesperar. Poderia gritar e até correr para abraçá-la mas optei em ficar ali parada, frente a frente com ela, absorvendo sua atmosfera e inclusive, dividindo o mesmo ar. Não sabia se poderia continuar chamando-a de mãe ou se deveria chamá-la pelo seu nome. Ela estava tão diferente e ao mesmo tempo tão igual. Foi ai que aquela nostalgia te ataca com uma estocada única e por mas que tente driblar a saudade, acaba se tornando algo impossível e só se intensifica.

- Sabia que iria me encontrar uma hora ou outra. - Devagar ela se aproximou de mim e todos os que estavam nos cercando abaixaram sua guarda. Dando a nós espaço e até mesmo, a chance de nos movimentarmos. Sara olhou para mim como se quisesse me reconhecer afinal, até ela percebeu como a sua própria filha estava diferente. Nada era como antes. Nem mesmo a antiga Melanie que agora, mal conseguia deixar a aquela casca dura e cicatrizada sair.

- Porque fez tudo isso? - Sussurrei. Sara já estava bem perto de mim bem entre mim e Michael, que agora me olhava de longe como se quisesse dizer para mim não cair em uma palavra que fosse. Essa era a parte boa dos caçadores, eles não confiam em ninguém. Nem mesmo em si mesmo, nem na própria sombra.

- Porque eu fiz o que? - Ela estava sendo cínica. Seu rosto tinha sequer uma ruga de preocupação ou um sorriso de felicidade em ver a própria filha ali. Se ela era como um deles, o que estava bem na minha cara, ela estava sabendo se conter bem. Ouvindo cada batida do meu coração de nervosismo e ciente de qualquer trapaça que eu pudesse fazer.

- Porque nos abandonou? Porque deixou a mim, a Beatrice, Pedro e o papai? Bem quando a gente mais precisava de você. - Finalmente ela pareceu entender. Suas mãos encostaram na minha pele e eram frias a ponto de queimar em contato comigo. Seus olhos antes no mesmo tom que o meu agora estavam mais escuros, sombrios e misteriosos. Até a própria sobrancelha ela havia tingido, com certeza no intuito de se diferenciar, mas quem conhecesse Sara muito bem, iria saber exatamente quem era ela.

- Vou responder todas as suas perguntas com o tempo. Não agora. Vocês precisam ir embora, agora! Antes que eles comecem a desconfiar de vocês aqui e resolvam atacá-los. Vocês se arriscaram demais vindo aqui. - Era impressão minha ou ela ainda assim estava me dando um sermão? Respirei fundo e Michael veio até mim, me separando de Sara e me puxando para trás do seu corpo.

- Não percebe que esta machucando a sua filha fazendo isso? Agindo como uma estúpida e tentando fugir da sua responsabilidade? Como pode se tornar um deles e largar tudo?

- Ora, ora. Nem me conhece ou sabe da minha história para tentar entender o que de fato ocorreu. Foram as circunstâncias meu querido. Não por que eu quis. Fiz isso para proteger a todos, inclusive, foi pensando nos meus filhos que fiz isso. Inclusive nela! - Sara apontou para mim e sorriu. Pude ver suas presas pontudas. Era tudo tão desafiador. - Agora vá embora. Proteja ela de todas as formas possíveis. Você sabe bem como nós somos. Posso até eu não ser perigosa, mas quanto aos outros. É questão de tempo até irem atrás dela novamente.

E então ela desapareceu. Ela foi rápida o bastante para deixar apenas seu perfume no ar, e uma dúvida enorme pairando sobre as nossas cabeças. Suspirei e Michael foi me puxando rápido para fora daquele lugar. Corri um pouco para acompanhá-lo, e quando me sentei no banco do carro a minha cabeça ainda girava. Era um misto de dúvidas, lembranças, saudades e uma dose bem grande de realidade. Coisa que não estava mais acostumada.

Naquela mesma noite, Michael e eu havíamos discutido feio a ponto de cada um dormir de costas para o outro no mesmo quarto. Estava começando a me acostumar com a ideia de abraçá-lo forte e cochilar em seus braços e só perceber que peguei no sono, quando despertasse no outro dia ou apenas, acordasse com outro pesadelo daqueles. Não havia entendido o motivo de termos discutido, e por sinal, nem queria lembrar, era tanta coisa na minha mente que só piorava se tentasse enfiar outras coisas. Eu poderia me desculpar com ele. Sabia disso. Michael aceitaria perfeitamente meu pedido de desculpas e voltaríamos a ser o mesmo casal de minutos atrás ou talvez não. Me virei na sua direção e percebi como ele estava encolhido, mas pela forma com que se movimentava tive certeza que estava acordado e não dormindo como queria passar a imagem. Cutuquei suas costas algumas vezes e nada. Até que finalmente desisti. Não tinha jeito.

Nunca tive experiência em namoro, nem mesmo tive paciência para suportar tanto tempo alguém ao meu lado que não fosse da minha família. Michael me suportou por tempo o bastante e acreditava que uma hora ou outra ele cansaria. Desistiria de mim e me mandaria embora daquele lugar por não aguentar mais ver a minha cara. Ele estava certo sobre isso. De não me suportar mais. Só que no fundo, eu não queria que ele fizesse nada disso. Queria apenas me manter em seus braços e nada mais.

- Michael. - Sussurrei o mais baixo possível. Era óbvio que ele não me escutaria. Mas ainda assim eu tentei.

- O que foi? - Tive resposta ao menos. Ele não se virou, o que só me deixou mais desanimada ainda.

- Me perdoa? - Perdoar pelo que? Por ser estúpida? Não tem conserto.

- Eu quem deveria estar pedindo desculpas, Melanie. Não respeitei seu momento. Reencontrar a sua mãe daquele jeito. Voltar pra casa sem as respostas que esperava. Eu que não te entendi. - Michael se sentou devagar e mesmo com eu deitada, pude sentir que ele me olhava. Suas mãos fortes me viraram e me fizeram ficar de frente para ele. Queria sorrir pela maneira com que ele tentava pedir desculpas ou até mesmo, por tentar fazer um carinho que fosse. Michael não estava acostumado com isso, e eu compreendia. Eu também não estava. Eu mesmo só havia descoberto algumas coisas sobre ter relacionamento com alguém agora, convivendo com Michael do meu lado, vivendo na mesma casa. Dividindo a mesma cama, as vezes comendo no mesmo prato e bebendo num único copo. Era coisas que eu só via quando meus pais estavam juntos e disfarçando muito. Não eram o típico casal de se abraçarem e beijarem 24 horas por dia, porque eles sabiam respeitar os filhos dentro de casa, e dar um bom exemplo. Mas agora, não sabia se isso valia.

- Ei. - Falei por entre os dentes trincados. Michael se projetou para frente e me deu a visão do seu rosto. Estendi toda preguiçosa meus braços até eles envolverem o pescoço de Michael e eu me forçar a levantar e sentar do seu lado. Tentei em vão cruzar as minhas pernas já que ele as puxou e as colocou sobre sua coxa. Não era a típica garota que dava carinho, mas quando acariciava o rosto frágil de Michael eu podia ver o quanto ele gostava. Parecia também não estar acostumado a isso, mas fechava os olhos a cada toque meu em seu rosto. A cada dedilhar em sua bochecha, maçã do rosto e contorno. Até eu de olhos fechados tentava decorar cada curva do rosto dele, e já havia marcado cada parte que eu mais gostava, e a que ele também.

- O que foi, pequena? - Havia dias que ele não me chamava assim e aquilo me derreteu. Aproximei meu rosto do seu e beijei seus lábios diversas vezes. Quando me afastei e olhei seus olhos, eles pareciam sorrir para mim.

- Eu te amo tanto, Michael Rose. Que seria impossível sentir algum tipo de ódio por um ser como você. - Ainda não havia dito nada daquilo. E até me estranhei ao terminar de dizer e ver Michael me encarando daquela forma. Peguei-o desprevenida, e eu sai de estúpida mais uma vez. Fui soltando-o aos poucos até poder me acomodar na cama e tentar dormir novamente. Não sei se peguei no sono ou se foi apenas um daqueles cochilos em que a gente escuta tudo ao nosso redor, mas senti o corpo quente de Michael me envolvendo, me beijando e sussurrando bem baixinho no meu ouvido, que também me amava muito.

* * *

Seria a segunda visita que os pais de Michael fariam na casa. Embora tudo fosse deles e eu estivesse sob a custódia de cada um deles, inclusive de Michael por ser o mais velho e o responsável por qualquer coisa que acontecesse comigo. A primeira vez em que tive algum tipo de contato com o senhor Marcus Rose. Seu rosto antes carismático e seu jeito risonho havia ido embora, tornando-se sério e sem nenhum tipo de assunto que envolvesse o problema principal: A caça. Enquanto Mônica tentava diversas vezes em que conversamos, agir como se fosse a minha mãe. Me protegia, dava conselhos, penteou meus cabelos um dia enquanto eu dormia mas logo despertei e ela logo, foi embora. Entendia seu lado. Seus filhos já eram grandes, e não estavam mais acostumados com carinhos, e eu era nova, sozinha, namorava seu filho, ela tinha que retribuir e passar o carinho que ainda tinha, para alguém. E não tinha problema algum nisso para mim, me sentia ótima, quebrava um pouco aquela situação ruim e constrangedora que era de viver presa. Enquanto os irmãos de Michael nem mesmo ligavam, mandavam cartas ou algum recado pelos pais que surgiam uma ou duas vezes no mês. Vita, Peter e Tae, eram indiferentes, viviam sua vida, sorte a deles.

Assim que a campainha tocou eu estava terminando de me vestir e pentear os cabelos, desci desesperada as escadas e esperei que eles entrassem, o que demorou um pouco. Eles pareciam analisar tudo ao redor e inclusive a mim, que estava com toda a certeza, mais vermelha que uma pimenta.

- Bom dia a vocês! - Tentei ser a carismática. Das outras vezes Michael estava já no meio de nós para puxar assunto, perguntar e tirar todas as dúvidas possíveis sobre o próximo passo. Só que desta vez ele resolveu me deixar tomar as rédeas sozinha, e eu me sentia mais tensa do que era no normal. Mônica foi a primeira a entrar e se acomodar no sofá, cruzando as pernas e olhando ao redor procurando com certeza pelo filho. Logo após veio Marcus, que apenas moveu a cabeça para mim, vestindo seu tipico jeans e um sobretudo preto e cumprido até o meio das pernas. Estava frio lá fora e eu sabia disso, mas dentro daquela casa era um forno, então nem me preocupei em vestir algo mais quente.

- E o Michael? Aonde ele esta? - Não demorou para que Michael surgisse abotoando sua camisa branca e passando as mãos no rosto esbranquiçado. Estava evidente que ele estava tomando um dos seus típicos banhos fumegantes. Por alguns segundos me veio a ideia de deixá-los sozinhos e inventar uma historia qualquer para que eles ficassem conversando e eu pudesse ir fazer qualquer outra coisa. Mas Michael logo envolveu os braços em torno do meu pescoço e depositando todo seu peso sobre mim. Odiava quando ele fazia isso, mas também adorava. Seu pai se aproximou dele e o olhou aparentemente decepcionado.

- Soube do episódio de ontem. Não estou muito contente com o resultado, não era bem o que tínhamos conversado, Michael. - Sabia que era sobre esse o motivo da vinda deles. Afinal, foi tudo ideia deles. Marcus tinha seus planos e não tomava uma atitude que fosse se não fosse iniciada pelo filho que era novo ainda. Quando soube da ideia deles de irem caçar me surpreendi ao saber que eu faria parte disso, e era a isca, e que Michael brigou desde o primeiro instante para que eu fizesse parte de tudo, mas não fosse a isca e a atingida. No final, fui atingida em cheio e super recebida pela minha ex mãe morta.

- Infelizmente as coisas não saíram como planejado. Como já era de se esperar. Ou melhor, não era de se esperar que eles já imaginassem que fôssemos caçá-los. - Ele não estava contando tudo. Olhei de lado o rosto de Michael e ele parecia estar acostumado a mentir. Mas pelo seus olhos, frios, sabia o motivo dele mentir. Por minha causa. Queria abraçá-lo por proteger a minha mãe, por me proteger.

- Se vocês me dão licença, vou fazer um café para vocês. - Disse. Entrando no meio dos dois e olhando para Mônica, que me acompanhou até a porta. Seu rosto estava mais pálido que o normal e mesmo com o cachecol em seu pescoço pude ver pequenas marcas arroxeadas em cada lado. Ela estava escondendo algo também, mas não tão bem.

- A senhora esta bem? - Mônica me olhou por algum tempo encostada no batente da porta e sorriu. Dava-se para notar o quanto aquele sorriso era falso. Aos poucos ela se aproximou de mim e me abraçou forte. Foi ai que eu estava sem entender mais nada.

- Eu estou bem, querida. Só quero te pedir um favor. Proteja o meu filho! - Foi uma das suas últimas palavras antes dela se afastar de mim e voltar para a sala. Engoli em seco, e tentei pensar no motivo de eu proteger Michael, afinal, ele fazia isso tão bem. Se auto proteger. Proteger outra pessoa totalmente insegura e não muito sã.

Logo após os pais de Michael irem embora, não demorou para que eu subisse para o quarto e tentasse relaxar um pouco que fosse a minha mente da ideia de que meu namorado estava correndo um grande perigo. Odiava quando as pessoas me causavam isso. Me deixavam ansiosa, com medo, e com aquela sensação terrível na boca do estômago que era incapaz de passar com uma noite de sono. Dormir só me deixaria mais irritada. Deitar só me fez rolar na cama diversas vezes e no fim, levantar e ir atrás de Michael na intenção de descobrir o que ele martelava tanto no galpão ao lado da casa. Ele parecia focado no que quer que estivesse fazendo e nem mesmo percebeu que eu estava bem ao seu lado, tanto que o susto foi grande o bastante para que ele se afastasse e com os olhos espantados, tentasse disfarçar se afastando e limpando o rosto na camisa que ele havia tirado. Estava frio demais para que ele estivesse daquele modo. Mas também não quis dar palpite algum, apenas toquei de leve no seu braço. Seu rosto se virou de uma vez e ainda com o martela em uma das mãos. Jurei que ele iria me bater ou faria qualquer outra coisa, mas apenas respirou fundo ao perceber quem era.

- Esta tudo bem com você? Esta frio. Vai ficar resfriado desse jeito. - Deixando a ferramenta de lado ele foi direto pegar a sua camisa e vesti-la. De costas pude ver o desenho perfeito e cada curva que antes eu mal tinha notado. Meio sem jeito apenas fui me afastando, e na esperança de fazer com que Michael entrasse pra casa, foi tudo tão em vão. Ele apenas voltou a fazer o que fazia, pegando um dos enormes pedaços de madeira que boa parte dos pregos que tinham nele estavam já tortos. Ele realmente não estava bem. - Vem comigo, Michael.

- Me deixa, Melanie. - Tentei novamente me aproximar. Michael mal me olhava nos olhos e quando me viu chegar perto apenas se afastou. O que mais me assustou foi ele pegar de uma única vez a madeira e jogá-la contra uma das paredes. O estrondo que causou não só me fez assustar como também me fez afastar o mais rápido possível. Não iria pressionar Michael também a falar o que quer que fosse, ele falaria no momento certo.
- Dá pra você me falar o que esta acontecendo? - Eu já havia visto Michael nervoso, e sabia bem como ele reagia mal em se expressar e dizer o que sentia. Já o vi jogar coisas, caçar a noite sozinho e até mesmo passar a noite em claro e só me dizer mesmo que aos poucos o que de fato estava acontecendo. Mais hoje. Agora. Era diferente. Rápido ele veio em minha direção e segurou meus ombros como meu pai sempre fazia com Beatrice. Não era uma coisa boa, mas ao menos dali debaixo eu podia ver os olhos fixos de Michael voltados para mim. Eles não brilhavam nem um pouco. Pareciam foscos, enquanto os meus continuavam a brilhar na mesma intensidade de antes, mesmo que eu não quisesse.
- Meus pais..ou melhor. O meu pai. Quer que você vá embora. - Pra mim a estocada maior veio logo em seguida. - E eu não vou poder ficar com você já que fiz meu papel.
- Mais como? Michael. Você...
- Eu sei. Eu também não quero. E é por isso que eu estou assim...me desculpe. Só que se eu não seguir as regras do "chefe", quem sofre as consequências é quem eu felizmente amo. - Devagar senti seus dedos pressionando os nós tensos dos meus ombros e foi deslizando até meu pescoço. Aquilo me fez encolher e fechar os olhos que estavam cheios de lágrimas numa hora dessa. Eu não poderia perder Michael também. Não mesmo. Já não me bastava tantos acontecimentos e agora perder algo do qual se tornou tão especial e essencial para mim. Mordisquei os lábios várias vezes e repetiria essa ação quantas vezes fosse necessário até vê-los sangrar, eu não me permitiria chorar. Não na frente de Michael. Não. Não. Não.

* * *
Arrumar as malas para ir embora seria trágico se eu não estivesse com a cabeça a mil. Michael me ajudou a todo o instante e agora eu tinha que abandoná-lo. Largar tudo e voltar pra minha vida medíocre e idiota. Me sentei na cama por um momento e repassei tudo o que aconteceu durante estes meses. Me perguntei se de fato Michael gostou de mim ou sentiu algo por mim. Afinal, ele não passou de um tutor para mim. Mais ao mesmo tempo se tornou um irmão, amigo e até namorado nas noites mais frias na cabana, caça e treinamento. Me encolhi o máximo que eu pude e me fixei no meu mundo que agora estava indo embora. Se não me bastasse perder um dos meus pilares que era a minha mãe, eu perderia outro? Eu desmoronaria totalmente e seria impossível reconstruir tudo novamente.

Quando a porta do quarto se abriu e Michael surgiu no quarto ele apenas suspirou. Seu rosto estava corado e os lábios num sorriso torto e ao mesmo tempo tão gentil. Eu conhecia aquele seu jeito. Ele tinha alguma ideia e agiria. E era isso que eu precisava. Que ele fizesse algo e não deixasse que nos separassem assim.
- Nós vamos embora. Vamos fugir. Vamos viver nossa vida fugindo ou qualquer coisa do tipo. Mas perder você vai ser demais pra mim. - Eu sabia que eu era um pequeno desastre na vida de Michael. Uma boneca de louça com pequenas rachaduras e abandonada num canto qualquer de um quarto um numa prateleira. Mas ele soube cuidar tão bem de mim e curar todas as feridas que meu coração se permitiu ter. Eu apenas me levantei rápido e corri em sua direção. Eu poderia me entregar para ele agora. Me tornar sua mulher. Mil planos voltaram para minha cabeça e palavras que eu poderia dizer vieram sem eu me conter. Eu queria amar aquele garoto. Ele me queria. E era apenas isso que interessava e nada mais.

Eu não me importaria em amar ele sendo outra garota. Tendo outro nome. Vivendo em outra cidade, país, em outra casa. Eu não me importaria em dizer que amaria ele em outra vida. O importante era que ele estivesse comigo. Do meu lado, me apoiando e me ajudando a passar por todas as barras possíveis. A partir daquela noite seriamos dois fugitivos. Seus pais me odiariam, ou melhor, seu pai e seus irmãos. Enquanto sua mãe se apaixonaria por mim ao saber que estaria cuidando do seu bem mais precioso. E que agora era meu também.


Naquela mesma noite nós juntamos tudo o que podíamos. Deixamos algumas roupas velhas já que Michael tinha a intenção de recomeçar bem longe daqui. Ele não me contou bem aonde iríamos e eu não me importava. O que interessava era a ideia de fugir. Estar na estrada, com ele. Tive a infeliz notícia de que teria que mudar. Desde meus modos até meus cabelos e o meu sotaque. Que ele jurava ser irresistível mais eu não sofreria tanto quanto ele. Paramos diversas vezes na estrada para comer e comprar os produtos necessários para as nossas mudanças. Ele jurava que seria difícil seus pais o encontrarem e até mesmo a minha mãe, que com certeza viria atrás de mim em busca de respostas ou de me atrair e transformar-me em um deles.

Me olhando no espelho sujo do hotel com aquela gosma com cheiro forte e descolorante nos cabelos eu não me reconhecia. Meu rosto estava diferente e mais magro. Minhas maçãs do rosto mais evidentes do que nunca, mas ainda assim eu me sentia bonita e Michael me achava atraente. Ele estava dormindo enquanto eu tentava me transformar numa outra garota que estudaria bem longe da sua antiga cidade e dos seus familiares. Michael tentou me dar dicas, mas não funcionou. Preferi que ele me surpreendesse. E como me surpreenderia.

Assim que tirei os produtos do cabelo, tomei um longo banho e vesti roupas que eram totalmente desconexas do meu mundo, ouvi Michael bater na porta do banheiro e pedir que eu saísse. Sabia que eu iria talvez assustá-lo, mas ainda assim eu sai. Primeiro eu vi seus olhos se arregalarem e em seguida seus passos em torno de mim. Ele me cercava como uma presa. Meus cabelos antes vermelhos feito fogo agora eram loiros quase platinados se não fosse as manchas teimosas de amarelo ovo. Minhas sobrancelhas se mantiveram no mesmo tom. Michael deu um jeito de comprar óculos sem grau para mim e de armações pequenas que ele jurava serem sensuais o bastante para ser considerada uma professora de um filme erótico. Aquilo me fez rir e ao mesmo tempo, corar. Estava com uma calça jeans super justa e de cintura baixa, coturno escuro e largo nos pés, além de uma camiseta polo branco e um casaco com touca por cima. Meus cabelos estavam secos já nesse meio tempo. Para quem antes preferia vestidos, saias e blusas largas, me sentia quase outra. Se não fosse por algo.
- Prazer...Rebecca.  - Falei. O mais rouco e lento possível. Michael sorriu mais malicioso possível para mim e me beijou.