Parte Nove - Não me acorde

Naquele momento eu vi muitas coisas que se eu fosse listar cada uma delas, iria preencher um caderno todo, inclusive o que estava parado bem na minha frente, que tinha nome, cor de cabelo e muita oxigenada. Era Jennifer. Seu rosto antes branco estava vermelho feito uma pimenta, seus punhos fechados e a boca se contorcendo de ódio até não poder mais. Parecia que ela iria estourar a qualquer minuto ou pior, voaria em cima de mim e me mataria.

- Do que esta falando garota? - Michael foi o primeiro a tomar as rédeas, se levantando e ajeitando suas roupas, enquanto eu, me mantive quieta no banco, agora frio e constrangedor.

- Eu estou falando do que você esta fazendo com essa garota, Michael. A gente tava tão feliz junto poxa!! - Sua voz se tornou mais indecente ainda, e aquilo me causava ânsia de vômito. Como ela poderia? Ou melhor, eles poderiam? Não soube naquele momento se olhava fixo em Michael, que estava descontente com toda a situação, ou com Jennifer que começou a dar alguns passos e se lançou no corpo dele.

- Eu não me lembro de ter tido alguma coisa com você. Pode até ter sido no seu sonho, mas na realidade, nem me lembro da sua existência. - Algo impossível e uma mentira só. Quem não conhecia Jennifer? Até eu mesmo que havia acabado de entrar no colégio tive a infelicidade. E Michael? O garoto mais popular e bonito de Preciosa? Suspirei fundo e fui me levantando. Não poderia fazer parte daquela cena e nem do circo todo. Passei a mão por minha saia e ajeitei meus cabelos e fui em direção a fonte. Já havia alguns alunos, e boa parte delas eram meninas e observavam a situação de longe, doidas para contarem pela cidade toda que Melanie Silver estava pegando o namorado de Jennifer, a garota mais bonita do colégio. Queria gritar com cada um que me olhava e fazia sua pior careta.  Mas era melhor me silenciar e me encolher em qualquer canto a ter que ouvir coisas que não era obrigada. Deste lado, bem neste aonde me encontro. Com as pernas encostadas no concreto frio que cercava a fonte e era uma proteção quanto a quedas, eu tinha a visão exata do casal. Michael estava falando tranquilamente com Jennifer, que criava um escândalo todo para chamar a atenção e visivelmente, ser a frágil garota traída. Me sentia mal por outros motivos. Por ter perdido uma mãe recentemente. Por ser alvo de morte de caras que nem sabia se eram humanos mesmo, mas que me queriam morta de qualquer forma. Tinha ganhado forças que eu mesmo não imaginava, e até lutar eu havia conseguido, tudo sozinha. E neste momento, tinha mais um item a ser adicionado. Um coração partido por um completo idiota.

Fui a última a descer do ônibus para não receber cutucões e muito menos ouvir palavrões desnecessários de gente desnecessária. O frio na cidade estava me causando uma tremenda dor de cabeça. Claro, não era só o frio. Desde pequena aprendi a amar o frio e a conviver com ele todos os dias. Embora a minha antiga cidade não fosse sempre dominada por camadas imensas de gelo, e muito menos com visões cinematográficas de crianças fazendo monstros de neves, anjos ou jogando bolinha um nos outros. Ajeitei melhor meu casaco e fui me enfiando no que se dizia meu colégio. Precisava fazer pequenas coisas.

- Pegar a minha mochila.

- Guardar meus livros.

- Pegar meu cachecol e avisar Beatrice que esperaria ela na cafeteria de esquina com o colégio.

Certo que eu poderia avisá-la por celular, mas ainda assim fui na sua sala e dei o recado pela professora, que revirou os olhos e deu de ombros. Não sabia se ela daria o recado pra minha irmã. Mas ainda assim fui saindo da escola a caminho da cafeteria. Era a poucos metros da escola, era quente e eu poderia ficar em paz afinal, tinha anotações a ser feitas e um cara tosco pra ser esquecido.

Logo que me mudei para Preciosa, mamãe havia me dito que o leite com café daquela espelunca era delicioso. Tinha minhas dúvidas quando a vi experimentar pela primeira vez e fazer uma careta terrível. Olhei o cardápio inteiro e a única coisa que pude pedir foi bacon bem queimado, ovos mexidos e uma xícara bem grande e quente com chá de hortelã e limão. Não era a minha mistura preferida, mais quem se importa? Peguei meu caderno mais velho e uma caneta para que pudesse iniciar as minhas anotações. Não era muita coisa, mais seria importante caso quisesse resolver as questões da minha vida, e com as declarações de Michael, as coisas só ficaram mais confusas e distorcidas pra mim.  Só que iria fazer um bem danado que eu anotasse cada uma das coisas que ele havia me dito. E lá me vem ele na cabeça. Aqueles olhos grandes e brilhantes na minha direção, suas sobrancelhas grossas e expressivas assim como seus lábios. Peguei devagar a xícara fumegante que fora entregue na minha mesa, e devagar tentei dar uma golada. Estava de fato quente, a ponto do líquido que deslizava pela minha garganta queimar e borbulhar bem lá no fundo de mim. Quis rir, mas a mesma quentura que sentia naquele momento, senti quando Michael me beijou pela primeira vez. Era quente, macio e reconfortante.

* * *

Beatrice se encontrou comigo na cafeteria e pra minha surpresa, não estava apressada para ir pra casa, pelo contrário, fez seu pedido e se alojou comigo na mesma mesa. Era difícil nós fazermos um programa de irmãs, já que éramos tão afastadas uma das outras, mas ela parecia querer se aproximar de mim e eu entendia o motivo, era os acontecidos.

- O que foi? - Ela sussurrou enquanto sua caneca grande com café e muito creme era deixada sobre a mesa. Seus olhos estavam maquiados como sempre, assim como seus cabelos estavam lisos e vivos como a garota em que convivia.

- Nada. Só to te observando. - Dei de ombros. Ajeitando a mochila sobre meus ombros. Boa parte dos alunos já estavam chegando na cafeteria, o que era um bom e ruim sinal. Deixava bem claro quem eu encontraria, e era exatamente de quem eu estava fugindo.

- Fazia um tempo que não tomava um café tão bom.

- Claro, se você ou o papai soubessem fazer um café descente, não seria obrigada a pagar por um. - Beatrice riu, dando mais uma longa golada no seu café e mexendo na bolsa em seguida, em busca de algo. Quando encontrou, deslizou sobre a minha direção. Era um colar pequeno, mais não era estranho para mim. - O que é isso?

- É pra você. A mamãe havia me dado logo em que resolveu sair da nossa cidade e vir pra cá. Mas eu o "aceitei" sem ver necessidade. Ele combina mais com você. - Peguei a corrente e ajeitei entre meus dedos. Ela era fria em contato com a minha pele, e tinha um pingente em sua ponta, delicado e em formato de um coração simplório. Na verdade era um camafel dos mais delicados que eu já havia pego. Todo trabalho em seus detalhes e com uma única pedra vermelha ao centro. Tentei abri-lo, mas foi uma tentativa totalmente fracassada. - Eu sei, ele não abre. Eu tentei já e não consegui. Mas acredito que uma hora ou outra, ele irá abrir. Ele está nas mãos certas.

Beatrice foi tirando o dinheiro do bolso e pagando seu café, rapidamente foi se erguendo e se encaminhando a saída da cafeteria. Tive de me apressar para acompanhá-la. Por sorte sua caminhonete estava estacionada bem na frente da cafeteria e não perdi muito tempo em entrar nela e me acomodar no banco de passageiro.

- O que você quer dizer com "nas mãos certas"?

- Quis dizer que ele não pertencia a mim. Caso contrário, ele teria se aberto para mim e isso não aconteceu. Vou te dar um tempo e logo vai entender o que quero dizer, Melanie.

- Mas...

- Tudo tem seu tempo. - E foi logo ligando a caminhonete e tomando partido na direção de casa. Era estupidez minha continuar tentando prolongar a minha conversa com ela. Não ouviria as respostas que queria, e pelo jeito em que Beatrice era, seria uma tarefa difícil.

Logo que chegamos em casa, corri escada acima até meu quarto. Papai havia conseguido outra cama para mim mas ainda assim sentia meu quarto vazio e diferente do que eu havia conseguido montar em tão pouco tempo. As paredes pareciam encardidas, e o cheiro adocicado revirava meu estômago de todas as formas possíveis. Era nauseante e impregnado em todos os cantos do meu quarto me deixava perdida. Joguei a mochila em um dos cantos e me sentei no colchão velho da minha cama. Tive tempo de respirar fundo várias vezes em busca de um ar diferente, mas tudo era igual, até que meu celular começou a tocar. Embora a chamada fosse não identificada, eu soube quem era, era Michael. E eu não atenderia de forma alguma caso ele quisesse se explicar. Durante três vezes ele tentou, até que alguém bateu na porta do meu quarto e meu irmão entrou em disparada. Seu rosto estava corado feito uma bola de fogo, assim como seus cabelos, e pela sua boca arreganhada e com falta de dentes, ele vinha com novidades.

- Mel. Tem um cara te chamando lá na sala. - Só havia reparado agora como Michael era insistente e irritante. Queria socá-lo até desfigurar seu rosto bonitinho, já que eu tinha toda aquela força eu poderia usá-la contra a todos, inclusive a ele. Mordisquei o lábio e pensei duas vezes antes de me levantar e esfregar os cabelos de Pedro até ouvir ele reclamar. Fui descendo sem tentar criar ruídos, mas Michael era esperto e sabia que eu estava ali, e soube disso ao perceber que ele me esperava no final da escada com os braços cruzados. Seus olhos estavam arregalados, e não soube decifrar se era de surpresa ou espanto de me ver descendo as escadas em seu encontro.

- A gente precisa conversar.

- Não, a gente não tem nada pra conversar. E se puder ir embora e fechar a merda da porta eu agradeceria muito. - Fui subindo as escadas de volta quando ouvi seus passos apressados e que me acompanhavam. Suas duas mãos enormes seguravam firme meus braços e ele rapidamente me encostou na parede que dava para o corredor dos quartos. Pude ver melhor seu rosto. Michael estava assustado mais ainda assim teve tempo de sorrir e encarar firmemente meus lábios, que se encontravam uma linha reta. Não era de surpresa. Ok, era um pouco sim de surpresa por não imaginar que o encontraria ali e que seria capaz de me encarar ainda depois do que houve. Suspirei fundo, até ver a minha irmã surgindo no corredor e me olhar ainda mais assustada em me encontrar naquela situação. Aposto que se fosse meu pai ele espancaria Michael até ele aprender a lição, e eu adoraria assistir, mas Beatrice apenas sorriu sem jeito e foi voltando pro quarto como se nada tivesse acontecido. Voltei meus olhos para Michael que mexeu as sobrancelhas para mim a espera que eu falasse qualquer coisa, mas nada saiu. Apenas segurei em seu pulso e o arrastei para o meu quarto do qual bati a porta e tranquei.
- Quero te explicar algumas coisas. - Michael foi logo se aproximando de mim ao perceber o cômodo vazio e espaçoso, recuei no mesmo instante e me acomodei na cama, mas pareceu um convite que ele logo aceitou.
- Não temos nada pra conversar eu já te disse isso. E seria mais cômodo se me deixasse em paz. - Sussurrei. Era doloroso dizer aquelas coisas. Querer que alguém se afastasse de você. No fundo seu coração pede por respostas. Por ouvir qualquer coisa que fosse sair da boca daquela pessoa que você gosta, ou acha que ama. É uma luta e tanto.
- Temos sim. Olha. Por favor, me escuta. Você também não pode me afastar deste jeito, você meio que precisa de mim.
- Não preciso. Como nunca precisei. Estou viva até agora e te conheci a pouquíssimos meses. Como posso depender de você? - Dependia sim. Era um ciclo vicioso. Michael se silenciou por um tempo e assim como eu, foi se arrastando na cama até estar com as costas contra a parede e todo o corpo esticado na cama. Parecíamos dois idiotas em silêncio observando o nada. Me arrependia profundamente da ansia de tratá-lo tão mal. As palavras cortam. Mesmo Michael sendo tão "rude", sabia que tinha seu lado sensível, bem lá no fundo, e que marcava presença quando ninguém mais estava por perto. - Me desculpe, ok?
- Não...precisa se desculpar. Só quero que entenda que, o que houve lá com a Jennifer, não foi nada demais. Algumas coisas precisavam ser esclarecidas.
- Deveria ter esclarecido antes de beijar outra garota e criar sentimentos nela. - Pela primeira vez encarei Michael sem medo. Que fez o mesmo mais logo desviou os olhos. Seu nariz tomou uma cor avermelhada, assim como seus olhos, bochecha e orelhas. Não sabia se era vergonha, se ele estava chorando ou era apenas um espirro surgindo.
- Namorei a Jennifer por algum tempo assim que entrei no colégio. Ela era diferente do que é agora. Menos egoísta, antipática, conversava com todos e não judiava dos novatos como tem costume. Quando começou a mudar e se tornar quem ela é agora, resolvi me afastar antes que me tornasse parte disso. - Parecia um alívio para ele contar boa parte da história. Mas imaginar Michael beijando Jennifer me deixava louca. E ficava ainda mais louca em imaginar que aquela história pudesse também ser mentira. - Sei o que deve estar pensando. Que estou inventando toda essa história só pra gente voltar a ser como éramos antes de você saber que eu tinha algo com a Jennifer. Não importa. Só acho que você precisa de alguém do seu lado pra te proteger.
- Não preciso disso, Michael. Você tem sua vida. E a gente é novo demais pra isso. Ou melhor, eu sou nova demais. Você já viveu o que tinha que viver na sua idade. Apenas esquece a minha história.
- Não quero isso. Ainda não entendeu? - Michael se virou na minha direção e respirou bem fundo. Tinha pouca iluminação no quarto abafado, mas ainda assim eu podia ver dois pontos brilhantes na direção do meu rosto. Que reluziam feito duas estrelas. Via a forma do seu rosto, o contorno do seu pescoço, orelha, nariz, era tudo um borrão perfeito.
- O que você quer então? - Minha voz deu uma leve falhada antes mesmo de perceber que estava me entregando. Michael se aproximou de mim feito um gato. Suas mãos já estavam contra a parede e seu corpo se encontrava sobre o meu, e sem se importar ele se acomodou no meu colo. É claro que a situação deveria ser ao inverso, mas não liguei em ter aquele contato e momento tão íntimo, que por dentro me fez rir e eu sabia, que depois iria lembrar disso tudo e riria sozinha. Estava encurralada e sem saída totalmente. Seu peso todo concentrado sobre mim me deixava em opção a não ser erguer a cabeça e tentar olhar em seus olhos como uma verdadeira mulher. Ou guerreira, como ele mesmo havia dito que eu era. Seu sorriso era largo e fazia seus olhos meio que se fecharem. Era a melhor imagem que eu tive durante todo o dia. Aquele lábio grosso e corado se curvando para mim. A curva mais linda de Michael era seu sorriso, e preenchia todos os ecos dentro de mim de uma única vez, com seus ruídos silenciosos. Ele não precisou dizer nada, apenas mover seus lábios para que eu pudesse lê-los que tudo o que ele mais queria, era eu. E eu me senti especial por isso. Não tanto quanto podia, mais era o suficiente.

Sua mão gelada tocou bem sobre a minha nuca, passando por debaixo dos meus cabelos e me afagando, arrepiando qualquer resquício de pelo sobre a minha pele. Era uma sensação gostosa e calorosa, jamais sentida por mim e que por sinal, me permitiria a aceitar que ele continuasse, e não parasse tão pouco. Fechei meus olhos por alguns minutos e me desliguei do mundo, me permitindo também a sentir o contato dos seus lábios contra o meu, pedindo um beijo do qual eu sabia que era capaz de dar, e eu o fiz sem dó.


Não durou tanta a nossa noite como esperava. Michael fugiu as pressas assim que papai chegou, mais conversamos boa parte da noite por mensagem via celular. Não sabia se havia feito a escolha certa. Se deveria estar e ficar com Michael embora as circunstâncias, só algo importava naquele momento. A minha felicidade e nada mais.

*D.K. 21:21
Horas iguais. XD
*MelanieCinza. 21:21
Sabe o que significa nao eh mesmo?
*D.K.21:22
Hmmmmmmm, naaao?
*MelanieCinza. 21:23
idiota. Por isso te odeio tanto.
*D.K.21:23
nao pareceu hoje mais cedo. :O
*MelanieCinza.21:25
para de ser tão idiota, voce me obrigooou.
*D.K.21:25
quer ir ao baile comigo, senhorita Melanie?
*MelanieCinza:21:28
    digitando...
*D.K.21:30
Mel, por favor.
*MelanieCinza:21:30
Não me faça pressão psicológica, caso contrário é ai mesmo que eu não vou. Nem sabia de baile :O
*D.K.21:32
Nem eu. Fui saber agora pelo grupo do colégio, a festa foi combinada hoje pelos representantes de sala. Amanhã vão estar distribuindo os convites. Vou comprar dois, espero que vá comigo.
*MelanieCinza:21:35
Já disse pra parar de pressão psicológica. Não funciona comigo. Não quando estão fazendo comigo, só quando estou fazendo com as pessoas. Entendeu? :9
*D.K.21:37
Entendi. Vou considerar essa falta de resposta como um "sim".
*MelanieCinza:21:38
Veremos como irá se portar durante este resto de semana.
*D.K.21:39
Como um perfeito cavaleiro.
*MelanieCinza:21:41
Seja meu rebelde.
*D.K.21:42
Seu cavaleiro rebelde. Isso dá um nome de filme.
*MelanieCinza:21:43
Não quebra o clima...
*D.K.21:44
Vai ser a menina mais linda do baile de outono de Preciosa.
*MelanieCinza:21:46
Não sou boa com vestidos e saltos, não fui criada para ser delicada.
*D.K.21:48
Não tem problema. Adoro garotas rudes. Mas será uma surpresa e tanto, te ver vestida feito uma menininha, sábado a noite.
*MelanieCinza:21:50
???? Veremos. Boa noite cavalheiro.
*D.K.21:52
Boa noite minha pequena...durma com os anjos, já que não posso estar ai.

* * *
Durante toda a minha semana a minha busca pelo vestido perfeito foi um verdadeiro trabalho. Boa parte das lojas de Preciosas preferiam adaptar ou até mesmo fazer o vestido a comprá-los de fabricas do interior da cidade. Fazia um bom tempo que não procurava comprar outras roupas. Já que as de Beatrice serviam em mim embora eu tivesse mais curvas que ela, mesmo que fosse alguns anos mais nova. Lembro o quanto mamãe se impressionava em me ver vestir os jeans de Bea e suas camisas de botões quando queria ficar em casa, ou andar pela cidade em busca de qualquer distração. No fim, comprei os tecidos para o vestido e a renda, e levei no que parecia ser a mais aconselhável costureira da cidade, onde todos recomendavam pela sua ótima mão com tecidos delicados. E pra minha surpresa.

Reencontrei boa parte das garotas do colégio por lá, querendo ver seus vestidos prontos, e até mesmo, tentando de qualquer forma, induzir a pobre velha a fazerem o mais rápido possível. Tinha a intenção de surpreender Michael com a minha postura diferente ao menos por uma noite. Mas sabia que não surpreenderia apenas ele, mas também a todos do colégio por me acharem tão diferente e fora do que eles consideravam um padrão. Minha sorte foi que a senhorita, cujo o nome era "Flor", já havia feito algumas blusas para mamãe assim que chegamos, além das entregas que Sara não havia ido pegar ela aceitou com gratidão fazer meu vestido, já que mamãe havia pago todos os pedidos com antecedência, e no fim, não usaria nada. Foi sexta-feira a noite que Flor me ligou pedindo que fosse experimentar o vestido e ver se estava da forma que queria. Mas sabia que ela acertaria no ponto do que eu imaginava e do que realmente queria.

Logo no sábado de manhã fiz todo o serviço em casa, ajudei Pedro a organizar seu quarto e papai a limpar a varanda, deixei Beatrice fazendo o resto para que pudesse buscar nossos dois vestidos. Certo que eu poderia tentar adaptar eu mesma um vestido pra mim, mas talvez não funcionasse tão bem. Michael veio me buscar em minutos e me deixou de frente com a loja da costureira. Prometi que só mostraria o vestido a noite e ele aceitou sem dúvidas, mas com um leve receio do que iria ver. Até entendia seu ponto de vista, mais aquilo me fazia rir ao pensar no seu medo.


A noite finalmente chegou. Pra mim tudo estava diferente, desde o céu que eu tinha visão do meu quarto enquanto me maquiava, até o tratamento mais delicado vindo do meu pai ao ver suas duas filhas se vestirem para o seu primeiro baile. Sim, é o nosso primeiro baile. Nunca havíamos participado de nenhum dos que a nossa antiga escola dava. Eu ainda tinha a chance de dizer que nunca havia sido convidada por ninguém, enquanto Beatrice, não foi por mamãe nunca ter aceitado. Meus cabelos haviam sido alisados por Bea a poucas horas, minha maquiagem negra realçou meus olhos e meu tom de pele de forma em que até eu mesmo me olhasse no espelho e me surpreendesse em ver uma mulher, não uma menina de apenas dezesseis anos de idade. Minha pele estava corada e saudável como nunca. Dizem que amar faz isso com a gente, e eu estava considerando essa opção. Quando pude colocar meu vestido e meu salto que não era tão alto, mais me deixava esbelta em frente ao espelho, tudo mudou.

Meu vestido era todo negro e justo na cintura e nos seios. Sua barra era cumprida e de um tecido fino e levemente transparente, se não fosse pelo seu forro por baixo, que forjava uma saia, mais não perdia sua elegância. Todo esse tecido fino era preenchido por diversas borboletas pintadas em branco, eram grandes e chamavam a atenção, e a cada degrau que eu seguia em direção a sala na espera por Michael. O pano esvoaçava, e me sentia uma verdadeira borboleta de asas negras. Papai quis me fotografar, embora odiasse, eu aceitei tranquilamente. Enquanto Beatrice optou por um vestido vermelho com um decote profundo nas costas, e um colar cumprido invertido. Seu salto era muito alto, e como sempre, ela estava ainda mais bonita do que eu.
- Espero que aproveitem bem o baile de vocês. Lembro como se fosse hoje o primeiro baile meu e da mãe de vocês. Foi intenso. - Papai dizia, nos olhando sentado em sua poltrona com o controle da TV em uma das mãos. Beatrice andava de um lado ao outro enquanto eu me sentia a ponto de explodir. Meu estômago todo estava se formando uma bola, e eu precisava colocar para fora, mas era algo impossível e doloroso. E que só passaria quando Michael estivesse aqui e não me fizesse esperar tanto. No fim, Beatrice acabou indo antes com seu companheiro, e eu ainda fiquei sentada na varanda aguardando por algo que parecia não chegar ou acontecer. O baile estava marcado para as 21:30, e já marcava no relógio do meu celular 21:00 e nada de Michael chegar. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação após ele ter me deixado em casa hoje mais cedo. Podia sim ter acontecido algo, mas ele teria me avisado ainda assim. Poderia estar colocando confiança demais em alguém, inclusive Michael, mas algo bem lá no fundo do meu peito, dizia para prosseguir e me entregar sem pensar nas consequências, porque seria beneficiada.

Michael só foi chegar 10 minutos depois de eu ter ligado em seu celular pelo menos cinco vezes e ter brigado com o meu, e implorar pra tirar aquele salto tão alto e incomodo dos meus pés.

* * *
Todo o colégio havia sido preenchido por balões cor de gelo e rosa. Como todas as noites ultimamente vinham sendo frias, aquela não seria diferente. Inclusive lá dentro. Cortinas branco e rosa, fumaça de gelo seco, mesas enormes preenchidas por bebidas coloridas e saturadas no álcool, algo que eu aprendi a pouco tempo e não me enganava mais. Boa parte das meninas se surpreenderam ao me ver chegar no colégio com Michael, que trocou sua Harley por um carro mais confortável. Disse não ser só pela temperatura, mas por saber que eu merecia algo melhor, ainda mais estando tão bonita. Consegui andar com ele por todo a quadra de esportes da escola. Ele fez questão de cumprimentar a todos, inclusive a Jennifer, que faltou escarrar no copo da amiga ao ver com Michael. Vendo assim por sobre os ombros ela realmente estava linda, e chamaria a atenção de qualquer pessoa, menos do seu acompanhante da noite, que não combinava com o que ela era, e preferia estar de olho ao celular do que ao que ela vestia, e isso fez Michael rir após eu comentar da situação em que ela se encontrava.
- Deveria ter pena. - Disse um pouco mais alto. O som estava alto, além do palco centralizado e com as cortinas ainda fechadas. Anunciaram em primeira mão que teríamos um show aquela noite.
- Eu não tenho. Ela não tem, porque eu teria pena dela? - Seu sorriso se abriu pra mim pela primeira vez naquela noite. Michael havia caprichado na sua roupa de baile, e por falar nisso, havia me dado uma rosa branca linda, que combinou super bem com o meu vestido, e se tornou parte do acessório da noite.
- Não sei. Por ela ser sua ex-namorada? - Ele estava com um terno preto super lindo e bem passado, camisa branca sem um amarrotado se quer, e gravata borboleta preta. Seu rosto estava mais iluminado que nunca, além é claro da barba feita, que ainda assim esfregou na minha pele ao me beijar no rosto e na testa assim que nos encontramos.
- Eu tenho uma namorada. - Sorri ao ouvir seu comentário, e ele apenas me deu um dos seus típicos selinhos, e me arrastou em meio as pessoas para tentar me fazer dançar. Não funcionou tão bem, mas ao menos me alegrou e me fez rir alto. Michael me rodou, me abraçou forte, olhou nos meus olhos, alisou meus cabelos, elogiou meu vestido, até eu pisar em seu pé e ele reclamar sobre algo envolvendo engraxar sapatos durante horas. Sabia o que ele estava querendo dizer, sobre o trabalho que dava para se arrumar tanto e eu desfazer tudo. Quando todos os vidros da escola se estilhaçaram. Não era bem um ruído estrondoso, mais incomodo o bastante para fazer todos se encolherem e gritarem, mesmo com o som da música alta, podia ouvir os gritos de desespero, uma mistura de homens e mulheres se esgoelando e em busca de saída de algo que havia invadido a quadra e pelo visto, trancado a todos ali.

Michael conseguiu me envolver em seus braços e me tirar do centro das atenções. Vi o branco se tornar vermelho e o grito de felicidade se tornar de dor. Em meio a todo aquele desespero ainda pude ver Michael procurando o celular no bolso e tentando falar com alguém mais não conseguia. Mal tinha forças para sair do lugar e segui-lo para tentar ajudá-lo, porque tudo o que meus olhos queriam, era acompanhar a criatura estranha e conhecida por mim como o grande sanguessuga da noite. E logo que ele me encontrou em meio a multidão, eu vi o brilho vermelho de seus olhos e ele também me reconheceu, soube disso assim que suas presas enormes ficaram evidentes para mim, e seu corpo, se curvou levemente. Eu era a rainha deles.

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