Parte Dois: Estrago Emocional

Acho que já fui vítima de bullying uma ou duas vezes quando era mais nova. Mas a desculpa de todos era sempre a mesma, inclusive a de que eu havia feito por merecer. As pessoas tiravam uma com a minha cara, falavam mal da minha família, da Beatrice e até do meu irmão, por sermos um tanto quanto diferente um do outro. Só que não chegava a ser só isso, chegava a outros vias de fato, e no fim, eu achava que seria capaz de esquecer tudo facilmente, mas não me esquecia. Já ouvi dizer que feridas mesmo com as cascas já formadas, costumam latejar em dias frios, chuvosos e tristes, agora eu vejo que é verdade. Nunca me considerei uma má pessoa, mas a minha irmã sempre me aconselhou a ser uma garota ruim. Uma garota que responde para os outros, sabe ignorar na hora certa e na proporção exata, tudo o que ela é, e me encanta acima de tudo.

Não comentei com você sobre a história dos meus pais e nem como se apaixonaram, nem como Beatrice veio a ser um empecilho nisso tudo. Meus pais começaram a se namorar muito cedo, mamãe tinha 16 anos enquanto meu pai era dois anos mais velho que ela, completando assim 18 anos e na época era um problema e tanto um casal tão jovem se amar daquela maneira. Sempre vejo as fotos dos dois juntos, abraçados, ou apenas trocando olhares de amor, que eram sentidos apenas por fotografias e aquilo era perfeito, eu quero ter um amor assim um dia. Beatrice nasceu do acaso e inesperado, já que a minha mãe não queria ter filhos, papai muito menos, desejavam trabalhar, ter uma vida boa e quando enfim se resolvessem, pensar em ter uma família, coisa que meus avós não aceitavam e achavam errado. Coisa que também hoje em dia é o que mais acontece. Garotas da minha idade não pensam em ter filhos. Pensam em aproveitar suas vidas, seus dias, seus últimos momentos sem ter nada nem ninguém atrapalhando esse pensamento ou atitude. Mas eles chegaram numa conclusão no fim das contas, teriam a garota, viveriam juntos e até poderiam ir embora da cidade de Louisiana, mas ali não viveriam.

Eles chegaram a se separar por um tempo, mas o amor e a saudade eram cúmplice que os uniram, e hoje, somos a família Silver. Tá, mais o que esse pensamento tem a ver com o que estava acontecendo ali dentro daquele banheiro? Não era o cheiro forte de produto de limpeza, nem mesmo as risadas em torno de mim, até o simples medo de levar um soco no rosto de qualquer garota que me cercava. Era a necessidade de lembrar de todos os momentos bons e ruins que meus pais passaram e que com certeza eles já passaram por isso, sofreram por conta disso, e estavam vivos, porque eu não?

- Veja só, a cabritinha. Ou melhor, a novata. Quem diria, a minha mãe sempre me disse que as mais quietinhas, são as piores e agora entendo. Elas são ótimas em escutar, inclusive atrás da porta. - Jennifer começou, andando de um lado pro outro como se estivesse apertada para ir ao banheiro. Não me importaria se ela o usasse, dando pra mim fugir.

- Ihh, Jen! Ela não vai falar nada não. - Protestou uma das garotas, com suas unhas enormes e pontudas na minha direção. Suspirei, antes de tentar dar um passo em falso e ser empurrada na parede fria. Meus pulmões doíam, minha cabeça latejava.

- Eu vou fazer ela falar.

- Não, não vai fazer coisa nenhuma. - Foi ai que eu reagi, no impulso, sabe? Essa seria a minha desculpa caso fosse chamada na diretoria mais tarde por algo que não fiz e nem provoquei. Empurrei todas aquelas meninas, inclusive Jennifer, que gritou e agarrou a ponta do meu cabelo e tentou me puxar de volta, mas foi em vão já que eu sai do banheiro e me enfiei no meio de um monte de aluno. Ela poderia vir atrás, poderia tentar me acertar a qualquer outro momento mas não agora. Não no meu primeiro dia.

* * *

Nunca fui de ter crises de nervosismo, já tive mais foi em casa e a minha mãe sempre soube me consolar e fazer o sangue parar. Pior ainda quando isso resolve acontecer fora da sua casa, quando a sua mãe resolve sumir nas horas mais impróprias e a sua irmã, que deveria estar com você e te dar uma carona, some. Eu estava andando de um lado para o outro no corredor da escola e eu tinha um plano: Não ir pro banheiro para ser encurralada novamente por Jennifer e suas colegas. Mas também não poderia ficar andando com um punhado de folha de caderno no nariz e correr o risco de ser pega e acharem que eu estava fazendo qualquer outra coisa que não seja, estancar meu sangramento nasal.

- Deveria estar em casa, Mel. - Eu não reconheci bem aquela voz, mas ao olhar melhor lembrei quem era, era o cara do refeitório, o garoto comunicativo e bonito que Patrícia havia me apresentado.

- Michael, não é? - Ele se aproximou e mesmo com a vista embaçada eu pude ver como ele estava sorridente e concordou, mas ficou espantado quando me viu retirar o papel de sobre o lábio pra tentar me comunicar. Possivelmente o sangue estava escorrendo de novo.

- Você caiu? Meu Deus, vem, vou te levar pro..

- Não! Não me leva pro banheiro eu quero ir pra casa mas é possível que a minha querida irmã, me deixou aqui, de propósito. E eu estou ficando tonta, e se você puder me arranjar um pouco de papel, eu agradeceria. - Michael riu pra mim, meu deus, ele era realmente bonito. Lábios bem marcados, pele queimada do sol - qual sol? - e cabelos raspados de uma forma tão...exótica. Sua sobrancelha era bem mais feita do que a minha, e mesmo pela luz artificial dos corredores vi como seus olhos tinham um tom castanho bem claro, que brilhava na minha direção. Por um momento jurei que ele me pegaria no colo e me guiaria pra qualquer outro canto que não fosse a enfermaria da escola, mas como sempre, pura expectativa de uma garota adolescente e problemática. Vi que ele conversou com um tempo com a famosa "tia" conhecida universalmente por todos os alunos e crianças e ela me obrigou a sentar. Limpou meu nariz de todas as formas e me obrigou a ficar parada e com a cabeça erguida por um bom tempo e com os olhos, de preferência, abertos, já que não queria me ver dormir. Por ser enfermeira, deixar um paciente ali sozinho deveria ser crime, ainda mais sendo Michael, que se sentou do meu lado. E eu só percebi isso quando ele puxou a cadeira e seu perfume ficou mais forte, mais próximo, delicioso.

Era algo doce, intenso, me dava vontade de enfiar o rosto em sua pele e absorver cada partícula dele.

- Você deveria estar em casa. - Sussurrei. Mesmo sem olhar para ele eu sabia que ele havia sorrido, deixando suas presas tão bem definidas visíveis, além das covinhas profundas em cada lado da bochecha.

- Eu sei. Tive que fazer inscrição em algumas coisas por aqui, que surgiram pra mim. Patrícia também me abandonou no estacionamento.

- Posso perguntar o motivo? - Estava sendo intrometida, eu sabia, mas ele pareceu não estar incomodado.

- Por eu ter abandonado vocês hoje no refeitório pela sua pergunta. Ela disse que era pra mim me desculpar, só que eu sou péssimo pra pedir desculpas.

- Que horas pensava em fazer isso? - Abaixei um pouco a cabeça e o fitei. Michael passava as mãos no jeans escuro, ele soava. Não estava calor, era nervosismo.

- Amanhã no intervalo. De qualquer forma, foi mal por hoje. Não me leve tão a sério!

- Quer dizer que a sua desculpa eu não devo levar tão a sério? - Arqueei uma das sobrancelhas e ele também, cruzando os braços e deixando-os tão definidos, criava curvas e curvas, que boba.

- Meu pedido de desculpa sim. Digo as minhas atitudes. E você deveria estar com a cabeça pra cima. - Eu sorri. Era a segunda vez que eu estava sorrindo para alguém que não fosse Patrícia, a professora ou a minha irmã hoje mais cedo. Era sincero e intenso, igual ao que eu estava recebendo.

- Eu já estou me sentindo melhor e acho bom eu ir pra casa. Caso contrário a minha mãe vai me matar, caso esteja em casa já. - Revirei os olhos e percebi o que havia dito de maneira tão estúpida. Michael quis me questionar apenas com os olhos e eu apenas me levantei da cadeira e procurei a minha mochila, mas novamente ele segurou em um dos meus braços. Achava que ele seria capaz de me colocar de volta naquela maldita cadeira mas ele não o fez, apenas foi saindo andando comigo rumo as escadas que davam para a porta de saída. Que numa hora destas poderia estar trancada, exatamente como naqueles filmes americanos, onde um casal de amigos ficam trancados até o próximo dia e sem querer, são obrigados a se ajudarem por horas, e no fim, se beijam, ficam juntos, são felizes. Mas Michael parecia desconfortável.

Quando saímos do colégio, joguei os papéis sujos na primeira lixeira. O céu em torno da gente tinha um tom alaranjado forte, junto com o cinza deixava mais que claro que já estava ficando tarde. E que pela primeira vez eu vi uma colega de sala errar o horário, que anunciava ser as 14:00, mas havíamos passado desse horário. No meu relógio constava 18:30, e constava também que ouviria muito ao colocar os pés em casa, mesmo sem ter desculpa alguma.

- É melhor eu te levar pra casa.- Sussurrou Michael. Que estava um pouco mais distante de mim e segurava entre os lábios um cigarro e tentava inutilmente acendê-lo, e quando conseguiu, tragou e soltou a fumaça pelo canto da boca. Aquela poderia ser a cena mais sexy que eu poderia ter visto por hoje, por hora, e de fato era. Ele passou as mãos pelo que ele considerava ser seus cabelos e então me chamou e voltou a caminhar em direção ao que parecia ser seu carro. Mas não era um carro, e sim uma maldita moto.

- Só pode estar brincando comigo, não é? - Protestei, batendo um dos pés no chão e Michael apenas riu. Ajeitando-se sobre a moto e deixando a mochila de lado, sabia o que ele queira. Que a pegasse ou a segurasse, mas eu não queria. Como também não tinha outra escolha. Era uma Honda antiga e preta, com certeza remontada mais em perfeito estado, o que também era deixado bem visível na minha cara era que, Michael era ainda mais velho do que eu. Tinha sua moto, sua carta, fumava, era descolado, quais surpresas ainda teria?

- Vem. - Perdi as contas de quantas vezes jurei a mim mesma que não seria tão idiota, inclusive de ficar dizendo "Não" pra tudo. Foi ai que tomei a iniciativa de pegar sua mochila e ajeitá-la em um dos meus ombros, mesmo que desconfortável já que ainda carregava a minha mochila, mas me sentei logo atrás dele. Era confortável a princípio, mas meu estômago se revirava sem termos saído do lugar. - E acho melhor se segurar.

- Michael pelo amor de que tem...não faça merda. - Foi as minhas últimas palavras antes de ouvir o ronco da moto, meu corpo todo tremia e os meus braços automaticamente envolveram a cintura de Michael. - A gente vai sem capacete?

Ok, era uma pergunta idiota, ainda mais quando já estamos saindo do lugar. No inicio ele seguiu devagar, meus cabelos balançavam um pouco como de inicio da noite, penetrava sobre as minhas roupas e contra o meu rosto. Queria poder ter prestado melhor a atenção na paisagem em torno da gente, passando rápido, e torcia para que o tempo sempre fosse dessa maneira, passasse correndo, como os borrões que eu tive antes dele acelerar. Queria sorrir, queria apertá-lo ainda mais e até gritá-lo. Era uma garota que nunca havia andado de moto e nem corrido riscos, era inocente ao olhos dos outros, mas não nos meus próprios olhos, e nem no meu ponto de vista. Me sentia muito bem.

Parecia que tudo em torno de mim era perfeito, com direito a trilha sonora mental.

* * *

No trajeto todo, Michael se manteve quieto. As vezes quando afastava a cabeça e tentava olhar qualquer uma de suas expressões era como se ele não estivesse nenhum pouco interessado, ou como lia sempre em livros e achava aquela descrição perfeita para o que eu vi de relance: Não demonstrava emoção.

Seus olhos tinham um livro, mais jurava ser apenas pequenos choques que as luzes dos postes em torno da gente enviavam e davam aquela impressão. Seu cigarro havia acabado, mas vi diversas vezes ele soltar uma das mãos e liberar cada nuvem de fumaça sem pressa alguma. No final estávamos em frente de casa, ou melhor, no enorme caminho que deveria seguir até estar no meu "quintal". Desci da moto devagar e lhe entreguei a mochila.

- Devo agradecer pela carona inusitada? - Não tinha intimidade alguma com Michael, nem tive tempo o suficiente para conhecê-lo mais já havia absorvido uma boa dose de confiança que eu não teria problema algum de entregar de mãos abertas para ele.

- Você já agradeceu subindo na Harley. Amanhã a gente se vê, cabritinha. - Foi então que eu percebi, e me lembrei.

- Espera ai, como você sabe do "cabritinha"? - Ele riu, acelerando a moto por um instante até gritar.

- Jennifer me contou o acontecido, ou melhor, espalhou na escola que você a empurrou.

- E você acreditou? - O que com certeza era verdade. - A garota me encurralou no banheiro. No. Banheiro. Onde já se viu isso? - Michael gargalhou, passando as mãos pelo rosto, inclusive num punhado de barba que crescia no queixo, possível cavanhaque.

- Uma coisa que eu aprendi ao conhecer a Jennifer é não acreditar em nada do que ela diz. Quanto ao cabritinha, até que combina com você. Até amanhã! - E ele me deixou ali, com a maior cara de tacho e prestes a correr atrás de uma moto que numa hora destas, deveria estar a uns 80 quilômetros por hora. Deixei quieto, amanhã eu o veria mesmo, caso meus pais não me matassem.

Sabe quando você esta andando em plena mata fechada e não se sente sozinha? Era como se existissem olhos sobre você em todo o lugar. Presenças imaginárias mas desconfortáveis o bastante para te fazer querer correr. Eu já havia andado naquele mesmo lugar por várias vezes mas nunca numa hora daquelas e era de arrepiar cada centímetro do meu corpo. Eu podia ver as luzes de casa a uma distancia considerável, eu poderia correr, mas sentia a minha perna tremer cada vez mais depois de apenas alguns minutos em cima de uma moto, mas doía, só que era uma dor boa que eu sabia que valeu a pena. Quando finalmente vi os degraus de casa que dava para a enorme varanda que tínhamos, eu suspirei aliviada, subindo-a rapidamente e me enfiando em casa de modo que todo aquele calor direto da lareira me atingisse e me fizesse querer deitar no sofá e ouvir cada pedaço de madeira crepitar. Só que não foi bem isso que eu vi.

Beatrice estava no sofá da sala com meu irmão e me olhou como se eu fosse a culpada, ou a garota que fugiu da aula, ou matou a aula, que seja.

- Onde você estava? Eu fiquei te esperando por horas naquela porcaria de estacionamento, Melanie!!

- Se estivesse tão preocupada teria percebido que foi EU quem fiquei te esperando e você já havia ido embora. - Estava prestes a subir as escadas para o meu quarto quando ela veio atrás. Seu rosto estava vermelho feito um tomate, seus olhos brilhavam na minha direção e eu jurava que ela pularia no meu pescoço e me enforcaria por um bom tempo, mesmo após a minha morte. Mas ela não o fez.

- Ligaram no meu celular da escola do Pedro, pra ir buscá-lo. Por ser primeiro dia na escola dele, o dispensaram mais cedo. Não pude esperar, só que eu voltei lá e você não estava.

- Tive um probleminha. Mas um colega da escola me deu uma carona até aqui. Cadê a mamãe? - Disse, entrando no quarto de Sara, tudo estava exatamente como ela costumava deixar, organizado. A cama ajeitada, os travesseiros postos, até seu perfume estava presente no cômodo, mesmo ela não estando.

- Quem era o garoto? - Não respondi. Sabia como Beatrice era, contaria imediatamente para o papai ou com a mamãe e eles acabariam me fazendo afastar de Michael e até Patrícia, achando serem má influência para mim.

- Vou tomar um banho. Não é melhor ir fazendo a janta? - Sussurrei, saindo do quarto e indo direto para o meu. Por sorte eu não dividia mais quarto com a minha irmã, mamãe quando veio para cá disse que cada um teria seu quarto, até mesmo Pedro que embora fosse pequeno deveria já ter sua privacidade. Quando morávamos em Louisiana, dividia quarto com Beatrice e brigávamos boa parte do tempo, por questão de intimidade e privacidade. Ela era a mais velha e queria ter seus momentos, convidar suas colegas pra casa e levá-las para o quarto, que eu sempre estava. Quando não estava no quarto, estava nos fundos de casa, lendo algum livro dos guardados dos meus pais, e me distraia com isso.

Além é claro das minhas duas coisas preferidas: Fotografia e pintura. Tinha um moleskine que havia ganhado de presente no meu aniversário de 12 anos do meu pai, e da minha mãe um punhado de tinta aquarela e pinceis dos quais eu guardava até hoje e cuidava deles como se fossem preciosos. Era difícil ganharmos algo, quando acontecia, era bom preservar. Quanto as fotografias, ganhei de Beatrice aos 15 anos uma Polaroid que ficava junto com meus livros na estante. Tinha um monte de fotografias tiradas por mim espalhadas pela casa, além das que eu guardava comigo e considerava um arquivo pessoal. Beatrice pediu que a guardasse, e que se futuramente eu decidisse levar mais a sério a minha pintura, poderia fotografar meus quadros, desenhos e até levar a sério minhas fotografias, tornando um trabalho e tanto. Mas sabia que nada disso aconteceria, porque não tinha tantas expectativas. Sabia que tudo seria diferente do que eu fosse imaginar, e aquilo não me magoava nenhum pouco, pelo contrário, ficava animada, e torcia para que o que viesse, chegasse logo.

Beatrice saiu do meu quarto finalmente, me deixando sozinha com meus pensamentos e o cheiro das flores que embora secas no canto próximo da minha cama, ainda tinham seu perfume delicado e encantador. Queria me jogar ali e adormecer até o próximo dia do qual eu já estava torcendo que fosse igual a este primeiro dia, mas com apenas pouco tempo de vida, havia aprendido que as coisas não eram assim, inclusive quando se colocava expectativas, em algo que eu sabia que seria totalmente diferente, e principalmente quando se tratava de mim, tudo dava errado.

* * *
Não vi mamãe chegar, apenas meu pai sendo que eu havia sido acordada sozinha, já que passei boa parte da noite me revirando na cama tentando dormir e nada de conseguir. Ainda estava com aquela sensação estranha na boca do estômago, a mesma que eu senti quando subi na moto com Michael e ele deu partida. Poderia ter pedido pra ele seguir um caminho indefinido, me surpreendesse, mas tudo era da minha cabeça, coisas assim não acontecem no meu mundo.

Estava ajeitando a gravata no pescoço e descendo chutando a mochila pela escada quando vi Beatrice parada tomando seu rotineiro café na sua enorme caneca. Pedro já havia sido levado pelo papai já que ele não estava com a gente. Em momento algum a minha irmã tocou no assunto sobre mamãe, o que era estranho, a casa estava mais quieta e sinistra do que o normal e eu tinha um leve pressentimento que isso não era bom.

Nos enfiamos no carro em silêncio e como sempre, ele era preenchido apenas pelo ronco do sua Caminhonete, que seguia o mesmo trecho que eu peguei ontem a noite. Olhei de soslaio para Beatrice, que estava mais pálida que o normal e pareceu não estar nenhum pouco afim de responder qualquer pergunta que fosse feita por mim. Eu poderia tentar, ela me falaria um monte e eu não ligaria, então tentei.
- Papai não disse quando a mamãe vai voltar? - Ela engoliu em seco e me olhou, percebi suas olheiras, e como era a primeira vez em que ela estava indo pro colégio sem se maquiar ou cuidar-se como sempre fez. Realmente algo estava acontecendo.
- Disse que volta logo, não se preocupa. Só disse que vamos ter que dividir nossas obrigações por enquanto, ela só tinha algumas coisas pra resolver, Mel. - Beatrice nunca me chamou pelo apelido, franzi de leve a testa e dei de ombros.
- Ela deveria ter avisado que ia sumir assim. - E não escutei resposta alguma apenas um suspiro e novamente o ronco seco do motor. Abracei a minha mochila e esperei que chegássemos logo na escola, o que não demorou também.

Estar no estacionamento do colégio era bem melhor do que continuar dividindo um espaço pequeno e o mesmo oxigênio que Beatrice por alguns minutos. Seu ar de raiva, ódio e agora, tristeza, uma tristeza que eu mesma não entendia, e ela não fazia jeito que me faria entender.

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