Parte Oito - Tudo que sei sobre ele.

Logo na segunda-feira tivemos uma surpresa que pegou todos desprevenidos, inclusive a mim mesma. Diante de toda essa situação não pensava que as pessoas ainda queriam se divertir, e também havia conseguido me esquecer totalmente do programa da semana no colégio. O professor Silvio de história nos apresentou boa parte dos seus planos para todos estes dias, e até que seria bom. Sairíamos da rotina finalmente, e o melhor, iríamos conhecer melhor Paraíso. O que me fez ficar mais apreensiva ainda, e com isso, passar boa parte do tempo encarando Michael, que parecia entender meus planos, mas também não iria me segurar. Estava pegando a minha mochila no armário e deixando boa parte dos livros que não usaria para trás quando Michael me cutucou. Seu rosto estava um pouco vermelho, inclusive as orelhas.

- O que foi? - Sussurrei. O corredor estava com todos os alunos do primeiro colegial, e a maioria esperava o horário de saída do ônibus, e como Patrícia havia se afastado de mim após descobrir meu envolvimento com Michael, estava sozinha.

- Vou ficar com você. - Não mais sozinha.

- Quem te falou isso? - Olhei em volta da gente e em seguida, bati a porta do meu armário. O que causou um estrondo que fez todos me olharem. Se a intenção era não chamar a atenção eu havia conseguido.

- Eu. Você não vai ficar sozinha, e sei dos seus planos, vou cuidar de você esqueceu?

- Não me lembro de ter conversado com o meu pai e se tornado meu guarda-costas. - Arqueei uma das sobrancelhas na tentativa de desafiá-lo, como sempre, ele conseguia quebrar toda a barreira "séria" minha.

- Não interessa se falei com ele ou não. Agora vem. Vamos esperar lá fora. - Sabia bem o que ele queria. Sua mão estava soada quando pegou na minha e me arrastando, me levou pro estacionamento do vazio, ou quase. Alguns funcionários da escola estavam lá, inclusive o nosso professor de História, o diretor e sua secretária, como sempre, seguindo-o e anotando quaisquer que fosse suas palavras idiotas. Esta era a primeira vez em que o via presente e conversando com seus funcionários. Geralmente ele sempre estava ocupado, com pressa, e nem se interessava pelo desempenho ou desejo de terceiros. Michael sentou na beirada da sarjeta próxima a sua moto, e em minutos ouvi o riscar do fósforo. Ele só queria estar ali fora para isso, e ainda assim me fez sorrir com toda a sua marra. Naquela manhã ele estava com uma camisa polo preta, uma calça jeans justa cheia de bolsos e o coturno de todos os dias. Seu cabelo havia sido cortado ao velho estilo militar, e que combinava somente com ele. Se não fosse duas argolas em uma das orelhas, ainda diria que ele era o garoto perfeito, mas vendo-o soltar a fumaça pelo canto dos lábios, só mudava totalmente a minha visão dele.

- Você ainda vai se matar com tanta nicotina. - Disse. Senti seus olhos imediatamente sobre mim, seguido por uma gargalhada debochada que ecoou por todo estacionamento. O diretor olhou diretamente para mim mas também não moveu um músculo do corpo para ir ver o que fazíamos sentados ali em meio a tanta fumaça. As coisas naquele colégio eram bem diferentes. Boa parte das coisas que deveriam ser proibidas, eram liberadas, até que era bom as vezes. Só que cadê a graça de se quebrar as regras?

- Sabia que 99% dos casos de morte por cigarro são de pessoas que absorvem essa fumaça? Desculpa querida, sou um caso raro. Quem vai morrer antes é você. - Desta vez ele me surpreendeu. Bati um dos pés no chão e me virei. Olhei rapidamente para o céu que como sempre estava nublado e lotado de nuvens que em boa parte do dia, resolvia liberar suas gotinhas e molhar toda a cidade, e como sempre, me deixar entediada. - Você esta muito bonita hoje, Mel.

- Devo levar isso como um elogio ou uma ironia?

- Como um elogio. É difícil me ouvir elogiando garotas, inclusive meninas como você. - Não estava tão bem vestida assim, mas me sentia diferente após o dia anterior. Troquei as minhas velhas meias curtas por uma 7/8, minha saia estava um pouco mais curta, camisa branca e a gravata havia sido retirada assim que guardei meus livros no armário. Prendi os cabelos num coque e pintei meus olhos enquanto a minha irmã tentava consertar o carro para nos levarmos a escola. Se não fosse isso, diria que estava exatamente como nos outros dias. Só que ainda assim me senti feliz ao perceber que ele, Michael, havia me notado. Nós já tínhamos nos beijado, abraçado, ele cuidado de mim, e ainda assim, aquele era seu primeiro elogio.

- Achei que você era o típico garanhão da cidade. As garotas faltam se matar pra ficar perto de você, vivem te pedindo favores.

- Isso não quer dizer que durmo com cada uma delas todas as noites. Sou um cara de família, você viu isso já. - Seu olhar se voltou para mim e eu apenas contrai meus lábios na intenção de me concentrar ou liberar o nervosismo que percorreu toda a linha do meu corpo. Michael estava certo. Em um fim de semana tive a chance de ver que Michael não era o típico garoto que tinha todas as garotas em sua casa todas as noites, ainda assim as garotas queriam estar perto dele, o que me incluía nisso, mas eu não assumia.

- Garotos, vamos pro ônibus? - Como em todos os colégios os ônibus por aqui eram amarelos e chamativos. Boa parte dos alunos já estavam acumulados na porta do transporte enquanto Michael e eu estávamos parados apenas observando a situação. Somente quando todos já estavam lá dentro e tinha dois lugares vagos que nos acomodamos lá. Michael não conseguiu se sentar do meu lado, ficou junto de Jennifer, cujo a garota já havia até me esquecido durante estes dias. Vi como ela queria de todas as formas flertar com ele, e pelo visto não era apenas eu quem notava isso, já que Patrícia, que ficou do meu lado, e sorriu para mim após essa semana toda e os outros dias também, não tirou os olhos do "casal". Eu poderia tentar dizer qualquer coisa, mas não me veio em mente absolutamente nada que eu pudesse falar para ela, inclusive para tirar a ideia que eu via em seus olhos de que aquilo me incomodava - realmente incomodava -.

- Esta tudo bem? - Tentei. Olhando de soslaio para Patrícia que apenas deu de ombros e virou o rosto na direção da janela. Já que passaria boa parte do trajeto sem ninguém pra conversar, deitei bem meu corpo no banco, e fechei meus olhos por alguns segundos. Foi como se em segundos todos os meus outros sentidos ficassem mais aguçados, inclusive audição. Ouvia qualquer sussurro, suspiro, arfar, qualquer coisa. Saltei do banco o que causou um espanto em Patrícia que me olhou feio, mas se encolheu ainda mais no canto do ônibus. O que quer que estivesse acontecendo comigo, só estava se intensificando, e era grave.

* * *

Logo em que chegamos ao que parecia ser uma cidade vizinha de "Preciosa", todos os alunos desceram e em grupos fomos acompanhando os dois professores que cuidariam da gente naquele dia todo. Michael se manteve do meu lado, e pela primeira vez notei o quanto ele tentava segurar a minha mão, quando não, envolvia seu dedinho no meu e me puxava para não nos perdemos ou nos separarmos um minuto que fosse. Minha preocupação era que alguém notasse e comentasse, no fim, esses comentários chegariam nos ouvidos de quem não devia, e quem sofreria as causas disso seria eu. O professor nos deixou em uma esquina de descida, toda em pedregulos e escorregadia demais para os nossos sapatos, mas foi bom olhar para cima perceber que o nosso ponto de acesso e visita naquele momento seria uma biblioteca da cidade.

- Esta é "Paradise Library". O próprio nome já diz, um paraíso para os amantes literários. Aos que adoram uma boa história, terá prazer em se perder num lugar tão perfeito. Entrem meninos e meninas. - Disse o diretor, empurrando alguns teimosos para dentro da biblioteca. Eu não precisava ser forçada a estar ali, ia de espontanea vontade.

Passei pela porta de madeira que me recepcionou com uma sineta, que me lembrou os filmes antigos e descrições de livros antigos que eu tinha em casa. O cheiro daquele lugar era tão familiar e ao mesmo tempo me deixava ansiosa, com aquela tranquilidade que a muitos dias eu não sentia. Quando comecei a me espalhar pela livraria-biblioteca, a mão de Michael segurou meu braço e me fez voltar ao ver a categoria em que estava entrando.

- Da pra me largar? - Olhei firme em seus olhos e me arrastei mais um pouco até encontrar o tema em que precisava: Vampiro e Seres Sobrenaturais.

Tinha muitos livros de um único tema, e perderia muito tempo focando em todos, se encontrasse apenas um que falasse tudo a respeito do que precisava, facilitaria a minha vida.

- Não vou te largar, você esta fazendo a coisa mais estúpida.

- Porque estúpida? Só quero respostas para várias das minhas dúvidas.

- Eu já disse pra deixar quieta essas suas dúvidas. Na hora certa elas serão esclarecidas, pela pessoa certa. - Revirei os olhos e me soltei de Michael. Passando os dedos pelas lombadas empoeiradas de vários livros, fui indo mais a fundo, até que um deles me chamou ainda mais a atenção. Sua capa era preta e não havia nome algum, a não ser alguns detalhes em vinho que com o tempo perdeu sua cor e se tornou acinzentada, mas engraçado que o tempo o preservou e tornou-o mais bonito. Puxei ele até poder segurá-lo melhor. Sem abri-lo eu dava no minimo 500 páginas, só que me surpreendi ao ver que era um pouco mais que isso. Suas páginas eram amareladas e cheiravam a mofo e algo mais doce.

- Acho que encontrei a "pessoa" que vai me responder as minhas dúvidas. Deveria ser você, mas já que não é capaz disso, vou eu mesmo atrás delas. - E fui em busca de uma mesa vazia para que pudesse me sentar e ler.

* * *
Desde de todo o acontecido não havia pego livro algum para ler, nem mesmo pego a minha máquina fotográfica para registrar as coisas. Primeiro porque achava desnecessário e por não haver motivos. Mas desta vez, tinha muitos motivos, e enquanto não resolvesse cada um deles, não sossegaria. Me conhecia bem e sabia como eu era, complicada, teimosa ao extremo, havia herdado isso da minha mãe e tinha orgulho de dizer para todos sobre isso. Michael não saiu do meu lado enquanto revirava o livro e anotava no meu caderninho cada coisa que eu achava interessante, certo que a opção seria pesquisar na internet e imprimir cada dado que eu considerava necessário, mas daria folhas demais e papai desconfiaria. Boa parte dos alunos já haviam se cansado quando resolvi erguer a cabeça e ver o que me cercava ainda.

Patrícia ainda estava na livraria-biblioteca com seu "namorado", Jennifer também, o professor se esqueceu de tudo e todos ao se acomodar numa cadeira velha e acinzentada nos fundos do recinto, e cochilava com um livro no peito. Os alunos estavam entediados ali, olhei no enorme elogio pendurado próximo ao balcão e pelas minhas contas, estávamos ali a exatas duas horas. Era um tempo recorde para todos, acreditava que a chuva que caia lá fora desanimou a todos para tentarem fugirem e irem para qualquer outro lugar. Com isso aproveitei o momento para esticar meus braços e pernas.
- Aonde você esta indo? - Disse Michael meio sonolento. Sorri ao ver sua bochecha avermelhada, assim como seus olhos brilhantes na minha direção. Passei a mão por algumas mexas de cabelo solta e as coloquei por de trás das minhas orelhas, e acredite, ele sorriu ao me ver fazendo isso, e me deixou mais envergonhada ainda.
- Indo em busca de qualquer líquido que passe essa secura na minha boca. - E fui caminhando até o balcão. Acredite, até o dono do lugar tinha fugido para os fundos, e pelo visto, não voltaria e nem se preocuparia. Quando encontrei um enorme corredor ainda abarrotado de caixas de livros empoeirados e algumas máquinas velhas de escrever, fui andando ali em meio as luzes penduradas e bolor. Nem percebi quando Michael veio logo atrás e me segurou de novo pelos braços, não me contive. - Poxa vida, to ficando cansada de você ficar me pegando assim pelo braço. Dá pra parar com isso?
- Quer que eu te segure como? Você toma suas atitudes por impulso e acaba se ferrando com isso. Sossega!! Chega de becos, florestas e qualquer outra merda que te coloque em risco.
- Eu não to atrás de me ferrar e nem quero. Só quero que pare de me tratar feito criança, e me segure como uma das suas vadias. - E novamente me senti ferver por dentro. Era como se a chama dentro de mim subisse de uma única vez a ponto de me deixar tonta. Pelo olhar fulminante de Michael, nada do que eu disse havia lhe agrado. Era essa a intenção, bem, mais ou menos a intenção. - Me desculpe ok? Só...falei demais.

De fato o que ele disse era verdade. Eu era impulsiva e não assumia isso, mas em meus pensamentos eu entendia que em algum momento eu acabaria me ferindo por conta das minhas atitudes não pensadas. Ok, elas eram bem pensadas. Mas se eu não errasse, como não aprenderia? Vai que dava certo.
- Entendeu quando eu digo sobre impulso? - E então ele deu as costas para mim e me deixou sozinha no corredor. Pude perceber melhor os detalhes do seu corpo. Suas pernas eram levemente delineadas assim como suas costas, largar e aparentemente firmes. Minhas mãos chegaram a formigar na intenção de estendê-las e tentar tocá-las, mas soube me conter ao menos agora. Sua nuca era lisa e com os traços do cabelo recém aparado. Michael tinha um gingado engraçado, andava meio duro, quase que na ponta do pé na intenção de ficar mais alto ou parecer mais homem. Mal sabia ele que não tinha necessidade disso.


No final das contas o professor somente acordou quando um dos alunos o cutucou boa parte do tempo. Até eu estava cansada de ficar ali sozinha já que Michael conseguiu sair da livraria, e eu via ele fumar na lateral da porta do estabelecimento, e não me pergunte como eu sabia. Vi pela fumaça constante, e não era a fumaça que a gente libera pela boca quando se esta frio demais, era a fumaça do cigarro de Michael. Ele estava nervoso, eu sabia. Sempre tinha este costumo de irritar as pessoas, boa parte das vezes eu ficava sem entender o motivo, só que desta vez, eu sabia. Disfarcei um pouco antes de pegar o livro que trazia na minha mochila, sim, eu trouxe ela, mesmo desejando-a deixá-la na escola. Andei pelas mesmas fileiras em que encontrei aquele enorme livro, e no seu lugar coloquei um antigo que eu trazia na bolsa. Era da mesma grossura e tamanho, a capa era escura mas tinha escritas, diferente do que eu guardei comigo. Não havia etiqueta nem nada, e o dono se realmente se preocupasse, não deixaria um bando de adolescentes sozinhos na sua livraria.

O professor nos fez sair e agradecer o dono, que por sinal era um coreano velho e cego, percebi ai acenar para o outro lado quando passei bem na sua frente. Michael já estava lá e pisava no que parecia ser a bituca do seu cigarro, e liberava pelo canto da boca avermelhada o resto de fumaça. Ele por incrível que pareça se acomodou de volta ao meu lado, mas não olhou no meu rosto, nem sorriu ou me reprimiu.
- Como vocês podem ver a chuva atrapalhou um pouco do nosso passeio. O que é um problema. Mas agora que ela cedeu eu vou oferecer a vocês a chance de conhecerem um pouco esse lugar. Marcamos de nos encontrar exatamente naquela fonte daqui a 4 horas. Nada mais que isso, ok pessoal?
- Tem certeza de que foi a chuva que atrapalhou nosso passeio, professor? Ou foi a sessão cochilo dentro de uma livraria? - Gritou Jennifer. Aquilo me fez revirar os olhos e ter vontade de grudar em seus cabelos até arrancar cada um dos seus apliques. Pior de tudo foi ver boa parte das pessoas acharem graça da situação, e ela olhar para todos como se fosse a preferida. Mordisquei os lábios e peguei na mão de Michael e o arrastei para uma das ruas em que havia visto assim que chegamos na livraria.
- Porque você esta me arrastando agora?
- Não estou te arrastando. Estou te trazendo comigo, é bem diferente. - Cochichei. Parei somente quando estávamos bem longe de todos, e completamente sozinhos. Mostrei para ele o livro da bolsa. E adivinha? Ele faltou me matar.
- VOCÊ ESTA FICANDO LOUCA, MELANIE? TIPO, EU JÁ FIZ MUITA COISA ESTÚPIDA, MAS ROUBAR UM LIVRO?
- Não roubei, só peguei emprestado. - Disse sem pestanejar.
- E dai? Esse livro deve ser uma relíquia, e eles vão sentir falta disso.
- Vão nada, Michael. Para de drama. Minhas anotações não adiantariam de nada, e já que não emprestam ou vendem, eu o peguei. E não estou sentindo remorso algum. Será que pode me levar pra algum lugar? - Sussurrei. Ajeitando de volta o livro e cruzando meus braços. Estava de fato esfriando após aquela chuva, e pra variar meu cabelo estava ficando cada vez mais úmido com a ajuda do sereno, e armando. Meu rosto deveria estar corado feito um morango, e essa deveria ser a menor das minhas preocupações.
- Aonde você quer ir? Quem é que desejava ser tratada feito adulto aqui?
- Eu estou com fome. Sai sem café da manhã como todos os dias, mas desta vez a fome é maior do que nos outros. Você conhece esse buraco melhor do que eu. - Segurei firme com as duas mãos a alça da minha bolsa até os nós dos meus dedos ficarem branco.
- Vem cá. - Com delicadeza ele segurou a minha mão e foi me levando de volta as ruas principais. Até agora não sabia o nome do bairro em que estávamos. As ruas tinham nomes estranhos e todos pareciam ser de santos conhecidos, mas por mim, totalmente desconhecidos. Subimos uma das vielas até estarmos em frente ao que parecia ser uma cafeteria antiga. Suas luzes eram bem fracas e o movimento era pequeno, boa parte era senhoras pegando o pão para o café e outras coisas boas que eu bati o olho e me interessei. - Senta lá que eu levo na mesa.

Obedecendo, procurei uma mesa limpa para nos dois. Me acomodei bem nela e deixei a mochila no espaço vago entre mim. Sabia que Michael se sentaria bem na minha frente, jamais se sentaria do meu lado como um casal normal. Ainda assim, era bom pensar que eu ele tínhamos alguma coisa diante de tanta preocupação vinda dele, chegava a ser fofo. Não demorou muito para que ele voltasse com dois pratinhos na mão com vários quadradinhos conhecidos. Ou melhor, uma massa rápida e básica, conhecida por qualquer pessoa por wafer. Quis rir da cena, aquilo jamais mataria a minha fome. Até ver ele voltar ao balcão e trazer numa travessa bem pequena várias frutas vermelhas picadas. Tudo era bem misto, tinha morango, cerejas, ameixas, amoras pretas e vermelhas, além de mel e um copo branco de tão gelado com suco de laranja. Parecia tudo delicioso e pelo sorriso de Michael ele estava satisfeito.
- Uau. Esse é o café da manhã de vocês aqui?
- Me diz você. Quem morou em Louisiana? Vocês não comiam isso? É tão normal comer wafer, croissant, frutas, pães, baccon e ovos mexidos de manhã.
- Em casa não temos costume de tomar café. Digo, tomamos café, mas não algo assim.
- Eu entendo. - Devagar Michael se acomodou do meu lado. Seu prato era exatamente igual ao meu, só que ao invés de mel, ele tinha chocolate entre seu wafer e as frutas que foram jogadas em cima. Não demorou muito que ele começasse a comer sem pressa.
- Obrigada por estar sendo esse cara teimoso e que não desistiu de mim. - Disse sem pensar muito. Michael ainda mastigava devagar e me olhou bem nos olhos. Ele parecia ler a minha alma, tive essa exata impressão quando ele estendeu a mão e ajeitou o meu cabelo, colocando-o por de trás da orelha. O pequeno contato com a minha pele me arrepiou e me fez perder todo o foco do momento. Era um toque frio mas que me fez borbulhar ainda mais por dentro. As borboletas que antes estavam adormecidas no meu estômago, voltaram a viver, e somente Michael conseguia isso e sentia orgulho em falar disso.
- Acho que já me agradeceu demais, Mel. Fica tranquila. - Não era bem as palavras que esperava ouvir, mais vindas de Michael não me importava mais nada. Suspirei por um momento e me voltei para o prato a minha frente. Tentei comer sem me lambuzar demais, só que era uma atitude totalmente fracassada, o que causou risos constantes em Michael, e até mesmo a atitude dele em me ajudar a limpar a boca, só tornava as coisas pior. Quando terminamos de comer, ele pagou a conta e nos saímos juntos, sem segurar a mão um do outro. Mas era como se meu corpo quisesse e precisasse do contato dele comigo. Não tomaria a atitude de segurá-lo ou pressioná-lo a algo que ele não queria. Ainda assim, lado a lado fomos caminhando ao que parecia ser uma praça, próxima a fonte em que era o ponto de encontro de todos. Michael foi comigo até próxima a um dos bancos ainda secos bem debaixo de uma das árvores, e meio sem jeito ele enfiou as pernas pelo buraco vago do banco, de modo que ficasse de frente para mim, que se sentou bem ao lado dele.
- Vou te contar uma história, e quero que preste bem a atenção porque é tudo envolvendo você e o que esta acontecendo, certo? - Assenti sem entender. - Você não deve conhecer bem histórias da cidade, e acredito que tenha sido esse o motivo das pessoas terem um pouco de medo de se aproximarem de você no colégio. Em hipótese alguma deve perguntar para alguém o que houve em Preciosa, porque são perguntas que muita gente ainda não sabe responder, e outras, tem respostas que você não vai querer ouvir, como também, não será agradável. Enfim. Logo que me mudei para Preciosa muita coisa já tinha acontecido e meu pai estranhamente tinha resposta para tudo, inclusive o incidente de uma moça que havia sido morta e coincidentemente, todo o sangue do seu corpo havia sido drenado, e sem nenhum outro tipo de ferimento, apenas dois furos em seu pescoço e uma mordida em seu pulso.
- O que isso tem a ver com o que eu quero entender?
- Houve muitos boatos sobre vampiros na cidade. Mais como outras mortes aconteceram mais logo pararam, tudo foi arquivado, e boa parte dos moradores antigos resolveram preservar a situação assim. Sem que os moradores novos e os "adolescentes" soubessem o que aconteceu. Só que é meio difícil. A primeira morte que aconteceu foi de uma coreana que viveu aqui durante anos, e quem conheceu ela, disse que jamais envelhecia.
- Ela era um deles?
- Eu não sei bem te dizer. Isso vou ficar te devendo. Só que ao invadirem seu apartamento após sua morte, encontraram muita coisa. Inclusive uma katana antiga e um porão debaixo da sua casa. Dizem que havia muita coisa lá, inclusive pesquisas sobre vampiros, jornais antigos que davam a entender que aqui em Preciosa, já existia os "seres da noite" desde antes de muita coisa ter acontecido. Pesquisando melhor sobre a mulher eu descobri muita coisa. Ela era uma espécie de ninja especial. Cresceu com um sensei e tudo, e foi criada para ser uma espécie de arma mortal.
- Ahhh você já esta meio que exagerando não é? Onde que uma mulher seria algo assim?
- Também não acreditei quando li isso. Mas um dia escutando a conversa do meu pai quando ainda era mais novo e sabia me esconder bem. Ouvi ele dizer que a mulher guardava todos as presas de seus vampiros neste porão, e havia muitas presas guardadas, além de outros elementos que pelo que eu saiba, são armas mortais para os vampiros, além é claro da prata, alho, cruz e água benta. Só que ela foi muito fundo nisso tudo e acabou sendo morta, mesmo sendo uma delas. - Comecei a rir da coisa toda, mais era uma risada alta e profunda que eu não me contive e nem conseguia segurar. Enquanto Michael me olhava sem entender, quando consegui parar, limpei as lágrimas dos meus olhos e respirei fundo.
- O que esta querendo dizer disso tudo?
- Que eu juntando uma coisa com a outra, tenho quase certeza. Sua mãe era exatamente como essa mulher, e a caixa que eles roubaram, deveria ter muitos segredos que ela deveria ter guardado melhor. E se ela te deu a caixa, é porque ela acreditava que seus "poderes" poderiam ser passados para você. E esta na hora de você fazer o papel dela.
- Michael, eu não sei nem me defender de mim mesma. Quem me dera de vampiros. E da onde você tirou toda essa história?
- Você não estava pesquisando e queria respostas? Eu estou te dando elas de graça e ainda acha a situação engraçada?
- Não é questão de ser engraçada. É de eu ficar ainda mais confusa.
- Você soube se defender na floresta, não soube? Os poderes dela estão sendo transferidos pra você, agora vai da sua parte permitir se tornar uma guerreira. Só que antes, precisa encontrar a caixa da sua mãe. Lá terá outras respostas para o que você precisa, e vai entender melhor do que eu te explicando. Só que tem que me prometer algo.
- Lá vem você com essa loucura.
- Não comenta com mais ninguém que eu te contei sobre isso. É algo tão...perigoso e que a muito tempo eu não escuto ninguém mais falar. Precisa manter em segredo, pode ser?
- Ok. Como quiser. Ainda continuo achando que você é meio louco e problemático, mas pode ser. - Michael concordou com a cabeça. Seus lábios estavam retos feito uma linha, e os olhos voltados para o meu rosto. Desviei a cabeça um pouco para a lateral e foquei no que tinha a minha volta. Era uma praça pequena, com uma gramado recém aparado, sabia disso pelo cheiro fresco e gostoso que recendia em torno de mim. Havia poucas árvores, e todas elas concentradas a fazerem sombras em todos os bancos de madeira tingidos de branco em toda a praça. Não havia playground, crianças, famílias, não havia sobrado nada ali, e chegava a ser triste. Os moradores daquele bairro eram antigos, e pareciam despreocupados, esperavam apenas uma coisa, a certeza de que morreriam ali e ninguém mais saberia.

* * *
Faltava alguns minutos para que pudéssemos nos encontrar todos na fonte. Já havia visto alguns alunos passarem por mim e por Michael enquanto falávamos sobre qualquer outra coisa, menos sobre vampiros, sensei, guerreira e katana. Foi bom conhecer um pouco mais daquele garoto que me perseguia feito um louco desde o primeiro dia. Descobri poucas coisas mais o bastante para me sentir bem e compartilhar sobre mim também. Tínhamos algumas coisas em comum, além do gosto por filmes de terror, gostar de ouvir música, ler quadrinhos, desenhar e principalmente, amávamos doce. Disse melhor sobre sua família, como sua mãe em que pediu seu pai em casamento e quase o obrigou a fugir com ela diante dos pais e da situação financeira precária. Me falou melhor sobre seus irmãos estranhos, e como eles são distantes após conhecerem a palavra "relacionamento" e se afastarem do que antes era algo importante em suas vidas e quase essencial.

Me contou sobre a sua primeira namorada e como Jennifer o perseguiu logo em que entrou no colégio por vários motivos. Por ele ser o mais velho do primeiro colegial, por ser considerado rebelde por já ter carta, ter uma moto e fumar feito um louco quando esta nervoso.
- Já lutei boxer na intenção de ganhar uma grana legal e ir embora.
- Pra que ir embora?
- Digamos que a minha família não seja uma à mostra perfeita de união.
- Desculpa te informar mais...família nenhuma é perfeita. União só existe no começo, ou quando ambos estão afim da mesma coisa. - Protestei. Michael segurou em um dos meus ombros e enrugou os lábios.
- Enfim. Eu me ferrei bastante e apanhei também. Desisti do boxer, como também do MMA, ou qualquer coisa que envolva luta.
- Seu típico físico não te favorece tanto assim.
- Esta me chamando de gordo? - Comecei a rir. Olhando a expressão preocupada de Michael, apertando os próprios braços e coxas.
- Não. Estou te chamando de sem forma física. É bem diferente de te acusar de gordo ou magricelo. - Quem riu foi ele. Se aproximando melhor de mim e me tocando na lateral do rosto. Quem parou de rir ou sorrir foi eu, no exato momento. Engoli em seco na intenção de reviver as borboletas dentro do meu estômago, e não demorou para que eu sentisse cada bater de asas e cada uma delas rodando dentro de mim.
- Você não existe, garota. - Sua voz era mais baixa. Sabia que era somente para que eu escutasse e mais ninguém. Sua mão livre segurou a minha e entrelaçou seus dedos entre os meus.
- Me faça existir. Me faça ser de verdade. - Tentei. E pra minha surpresa ele compreendeu. Seus lábios voaram na direção dos meus. Eram os mesmos de sempre. Macio, quente e adocicado como até o gosto da sua saliva ao se misturar na minha. Seu perfume dançava sobre a minha narina a cada movimento as laterais que eu procurava fazer. Até para me beijar ou me tocar Michael tentava ser sensível, e era uma parte que esperava ser a única a conhecer.
- Hora, hora quem eu encontrei. Os dois pombinhos. Bom saber que o senhor Michael, não termina o relacionamento com alguém e já esta se atracando com outra. IN-CRÍ-VEL!! - Reconheci a voz e em segundos me vi separada de Michael. Era Jennifer, a mais piranha de todo o bando.

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